O meu objetivo com este trabalho é refletir sobre como Milton Hatoum aborda esses temas universais nesta sua obra. Partindo de tal interesse, pude criar minha Research Question: “Como Milton Hatoum retoma o conto Bíblico de Caim e Abel em seu romance “Dois Irmãos””? Pretendo respondê-la a partir de uma análise da obra, levando em conta as condições em que os gêmeos são criados, o temperamento e o caráter de cada um e suas atitudes e ações, além de explorar a intertextualidade da obra com outra narrativa, o conto Bíblico de Caim e Abel.
1. Rivalidade: a inveja, o ressentimento e a rejeição
A inveja é uma das emoções mais antigas e também uma das mais negadas na sociedade. O que leva um ser humano a sentir inveja é a comparação. Muitas vezes são comparados bens, personalidades, aparências, entre outras coisas. A partir disse nasce a rivalidade. Assim aconteceu com Yaqub. Desde o nascimento, Omar foi mais acolhido pela mãe e tudo se baseia no fato de que ele nasceu com pneumonia. Recebeu todo o carinho e atenção da mãe, Zana, o que se prolonga e se perpetua ao longo da narrativa. Já Yaqub é deixado nos braços de Domingas, a empregada, que acaba criando um enorme afeto pelo menino, tratando-o como filho. O sentimento de Yakub era recíproco e, ao se afastar de Zana e tentar preencher sua carência afetiva com o amor da empregada, acaba por criar um abismo entre ele a mãe, fortalecendo seus sentimentos de abandono e rejeição, como é relatado por ele:
“Não entendia por que Zana não ralhava com o caçula....” (Página 16)
Dos dois irmãos, Omar era o mais corajoso e valente, orgulhoso e vingativo, possessivo e mimado. Um filho sempre presente, apesar de dividir muito a sua presença na família com a vida noturna. Um boêmio que estava sempre esbanjando calor, conquistando todos ao seu redor. Já Yaqub era mais reservado, pensava, calculava muito, refletia sobre tudo, e desenvolvia um caráter impetrável e racional, conforme aponta o narrador:
“O que lhe faltava no manejo do idioma sobrava-lhe no poder de abstrair, calcular, operar com números... Só cabeça, só inteligência... no Colégio dos padres ele encontrava sempre, antes de qualquer um, o valor de z, y ou x. Surpreendia os professores: a chave da mais complexa equação se armava na cabeça de Yaqub, para quem o giz e o quadro negro eram inúteis.” (22-23)
Suas maneiras duras e frias, já denunciavam, possivelmente, a gestação de seu sentimento de revolta e rejeição da família, como se vê no trecho:
“Inflexível foi o próprio Yaqub, que enfrentou a resistência da mãe quando informou, no Natal de 1949, que ia embora de Manaus. Disse isso à queima-roupa, como quem transforma em ato uma idéia ruminada até a exaustão. Ninguém desconfiava de seus planos; ele era evasivo nas respostas, esquivo até nas miudezas do cotidiano (...).” (30)
Fosse pela força de um ou pela inteligência de outro, os irmãos cultivaram desde pequenos uma grande rivalidade entre si. Inclusiva há uma cena de agressão física, a cena em que Omar, em um momento de grande inveja e principalmente ciúmes do amor de Lívia, fere o rosto de Yaqub. Mesmo com o completo amor de Zana, ele também sentia ciúmes do irmão, principalmente na disputa pela mulher amada, o que gerava mais ódio e violência. Esse fato fica evidente na cena em que se passa em uma sessão de cinema no porão.
“A magia no porão demorou uns vinte minutos. Uma pane no gerador apagou as imagens, alguém abriu uma janela e a platéia viu os lábios de Lívia grudados no rosto de Yaqub. Depois, o barulho de cadeiras atiradas no chão e o estouro de uma garrafa estilhaçada, e a estocada certeira, rápida e furiosa do Caçula. O silêncio durou uns segundos. E então o grito de pânico de Lívia ao olhar o rosto rasgado de Yaqub... A cicatriz já começava a crescer no corpo de Yaqub. A cicatriz, a dor e algum sentimento que ele não revelava e talvez desconhecesse.” (22)
Nestas últimas frases, percebe-se que, dentro de Yaqub, tudo estava em ebulição, podendo explodir a qualquer instante.
Pela soma dessas diferenças psicológicas e preferência da mãe pelo filho mais novo, pode-se compreender o motivo de tantos desentendimentos que, entrelaçados, criaram um clima de revolta, com planos friamente calculados. Até mesmo o pai dos gêmeos, Halim odiava a relação entre os irmãos, odiava ver o tratamento da esposa em relação ao Caçula. Halim dizia:
“(...) tu tratas o Omar como se ele fosse nosso único filho.” (22)
Talvez seja por esse motivo, ou talvez para amenizar os conflitos e rivalidade dos irmãos, que na família, Halim sugere a ida dos gêmeos para o Líbano. Porém só Yaqub vai.
Zana não admitia separar-se do Caçula, acreditava que o mesmo não sobreviveria sem seu amor e carinho.Todos temiam a reação de Yaqub, temiam o pior: a violência dentro de casa. Então Halim decidiu a viagem só de Yaqub, a fatal segregação do gêmeo, acreditando no fim de tantos desentendinentos. Esse pensamento é apresentado pelo narrador em:
“ A distância que promete apagar o ódio, o ciúme e o ato que os engendrou.” (23)
Halim tinha certeza de que a distância apagaria o a inveja, o ódio e o ciúme. Mas não foi exatamente isso que aconteceu. Yaqub foi mandado para o Líbano. Enquanto Omar ficou nos braços de sua mãe... Yaqub se sentiu completamente injustiçado, criando uma grande mágoa por toda sua família, não compreendia como puderam mandá-lo para o Líbano, evidente tal dúvida no trecho:
“(...) e não entendeu porque ele e não o irmão, viajou para o Líbano dois meses depois.” (16)
Os conflitos recomeçaram quando Yaqub, cada vez mais solitário, silencioso, amargo e taciturno, voltou do Líbano. Não conseguia esquecer tudo o que havia acontecido. Todo o sentimento estava “grudado” eternamente dentro dele. Retornou à sua casa muito tímido, como se não conhecesse mais o lugar onde estava, apesar de suas lembranças, tudo parecia diferente. Não falou nada quando reviu sua família, além de seu curto vocabulário, conseqüência de seus oito anos no Líbano, sem ajuda alguma de seus parentes, sem ter o que falar, nem sentia que devia falar algo, achava totalmente desnecessário tal diálogo, afinal, tinha sobrevivido os últimos anos sem eles. Apesar da preocupação da família, algo nunca mais seria o mesmo, assim exemplificado no trecho:
“”O que aconteceu?” perguntou Zana. “Arrancaram sua língua?” “La não mama”, disse ele, sem tirar os olhos da paisagem da infância, de alguma coisa interrompida antes do tempo.” (13-14)
Pode-se reparar, também nessa última citação, que a dor sentida pela distância, pela saudade e pela separação, seriam sempre dores unicamente de Yaqub. Esse sentimento desconfortável foi citado, pelo narrador, no trecho a seguir, quando uma senhora traz uma das fotos de sua infância, retomando todos os seus sentimentos:
“Ela trouxe uma fotografia em preto e branco: Yaqub e minha mãe juntos, numa canoa, em frente da palafita, o Bar da Margem. Ele olhou a imagem, quite e pensativo, e procurou com os olhos o lugar da margem em que algum dia fora feliz. Depois falou que morava muito longe, em São Paulo, fazia anos que não visitava a cidade. A mulher quis puxar conversa, mas Yaqub quase não falou, sua alegria foi se apagando, o rosto ficou sério. (...) ele me disse que nunca ia esquecer do dia em que saiu de Manaus e foi para o Líbano. Tinha sido horrível. “Fui obrigado a me separar de todos, de tudo... não queria.” A dor dele parecia mais forte que a emoção do reencontro com o mundo da infância. (...) Eu via, em relances, o rosto sério de Yaqub e imaginei o que teria lhe acontecido durante o tempo em que viveu numa aldeia do sul do Líbano. Talvez nada, talvez nenhuma torpeza ou agressão tivesse sido tão violenta quanto a brusca separação de Yaqub do seu mundo.” (86)
Após essa curta visita a Manaus, Yaqub partiu definitivamente para São Paulo. E foi então que abandonou sua família totalmente. Reparou em tudo o que vinha acontecendo;. A má recepção da mãe, o clima estranho em casa, a rotineira rivalidade com o irmão, eram apenas alguns dos poucos sinais que definiam a péssima união com a família. Por isso partiu definitivamente, criou em São Paulo outra família e se tornou bem sucedido. Causou uma grande inquietação no outro irmão, que nesse momento se sentiu excluído, ignorado e rejeitado.
Assim como no jantar de despedida para Yaqub, o ciúme de Omar aflorou, revivendo o eterno conflito entre os dois.
“Então escutaram um ruído: Omar largara a bicicleta no quintal e armava a rede vermelha. Não estava embriagado, demorou a pegar no sono e acordou várias vezes com o sol que lhe esquentava a cabeça, irritava-o a ponto de esmurrar o chão e a parede. Ele foi esquecido, por uma vez Omar dormia sem a proteção das duas mulheres.”
Além do fato de Omar se sentir enciumado por não ter o calor de suas mulheres, ele se sentia inferior, como pode ser analisado no seguinte trecho:
“ O Caçula não moveu uma palha: continuou sentado à mesa, quieto diante do prato intocado, desviando o olhar furtivamente para o rosto do irmão. Sofria com a decisão de Yaqub. Ele, o Caçula, ia permanecer ali, ia reinar em casa, nas ruas, na cidade, mas o outro tivera coragem de partir. O destemido, o indômito na infância, estava murcho, ferido.”
Yaqub passou a ter uma vida independente e Omar, o mimado filho caçula, se entregou às bebidas e à vida desregrada. Passava noites embriagado e jogado na rede. Mas isso para ele não era problema algum, sabia que ao voltar para casa teria os braços de suas mulheres esperando-o como sempre tratando-o como rei.
2. Vingança: o cálculo frio
Sabemos que a vingança ocorre quando alguém que se sente injustiçado ou prejudicado, em resposta a tal ato, age da mesma maneira, inferiorizando, assim, o primeiro agressor. E foi o que aconteceu entre os gêmeos. Zana morreu, aflita, perguntando:
“”Meus filhos já fizeram as pazes?” Repetiu a pergunta com a força que lhe restava, com a coragem que mãe aflita encontra na hora da morte” (10)
A soma de ressentimentos e inveja entre os irmãos se acentua conforme a narrativa avança. A rivalidade entre os dois gerou o desejo secreto de vingança em cada um deles. Yaqub, o calculista frio, planejou sua revanche calado, em segredo. Já Omar, mais temperamental e direto, também encontrou formas de atingir o irmão. Ambos agiram de forma vingativa.
Omar saiu de Manaus dizendo aos seus pais que iria estudar em São Paulo, onde vivia Yaqub, o que não era verdade. Nos primeiros três meses, Omar realmente estudou, mas logo em seguida se vingou de seu irmão. Invadiu a casa de Yaqub sem que ninguém soubesse, roubou dinheiro e roupas. Yaqub, revoltado com as atitudes de Omar, queixou-se ao pai, como vemos no trecho a seguir:
”Durante cem dias o teu filho foi disciplinado como não tinha sido em quase trinta anos, mas foram cem dias de farsa. Ele roubou meu passaporte e viajou para os Estados Unidos. O passaporte, uma gravata de seda e duas camisas de linho irlandês!” (92)
E ainda neste trecho:
“Rangia os dentes, as mãos trêmulas mal conseguiam folhear o primeiro volume, onde tinham sido enfiadas várias cédulas de um dólar; no outro volume guardara as notas de vinte. Folheou os dois livros, página por página, depois chacoalhou-os, e caíram cédulas de um dólar. O patife! Muito bem, que o pulha levasse o passaporte, a gravata de seda, as camisas de linho, mas dinheiro... Deixou a mixaria, deixou o que ele é.” (92).
Omar ainda não estava satisfeito e muito menos suportava a idéia de que o seu “indefeso” irmão tinha uma boa carreira, então rasgou e rasurou fotos de Yaqub e sua mulher, Lívia, de quem tinha muito ciúme. Este, sim, foi o limite para Yaqub.
Vemos que a rivalidade entre os irmãos é de parte a parte. O ressentimento, agora transformado em ódio, torna-se o estopim para a vingança friamente premeditada por Yaqub.
“Yaqub ficou louco. Não tinha perdoado a agressão do irmão na infância, a cicatriz na briga por causa do amor de Lívia. Isso nunca tinha saído da cabeça dele. Jurou que um dia ia se vingar.” (93)
A hora logo chegou. Depois de algum tempo afastado de Manaus, Yaqub resolveu mostrar quem tinha poder, sabedoria e principalmente força, sendo ela tanto física quanto psicológica.
Ficou sabendo de um trabalho que seu irmão estava fazendo e foi chamado por sua mãe para ajudar o irmão caçula e, quem sabe de uma vez, acabar com o ódio e rivalidade entre os gêmeos. Ela planejou que os dois trabalhassem juntos no projeto de construção de um hotel em Manaus.
“Os dois filhos podiam trabalhar juntos: Yaqub faria os cálculos do edifício, Omar poderia ajudar o indiano em Manaus. (...) O seu grande sonho era ver os filhos reconciliados. (...) Não queria morrer vendo os gêmeos se odiarem como dois inimigos. Não era mãe de Caim e Abel. Ninguém havia conseguido apaziguá-los, nem Halim, nem as orações, nem mesmo Deus. Então que Yaqub refletisse, ele que era instruído, cheio de sabedoria. Ele que tinha realizado grandes feitos na vida.”(170)
Zana também buscava o perdão do filho mais velho; sabia que tinha errado ao mostrar sua preferência pelo mais novo e afastado Yaqub da família como confessa em uma carta a Yaqub.
“Que a perdoasse por tê-lo deixado viajar sozinho para o Líbano. Ela não deixou Omar ir embora, pensava que longe dela ele morreria.”(171)
Buscando a vingança Yaqub voltou a Manaus para tratar dos negócios, mas tirou seu irmão totalmente do projeto e estragou todos os planos de Omar, fez a relação de seu irmão com o sócio acabar, o que gerou inúmeros conflitos, principalmente financeiros.
Omar, ao saber de tal ato, atacou fisicamente o irmão que foi parar no hospital. Em conseqüência de tal agressão, Omar foi preso. E foi na cadeia que a vingança de Yaqub se consumou. Omar sentiu que:
“Os dias eram como noites, cada dia era extensão mais sombria da noite. Quando chovia muito, as celas inundavam, Omar cochilava de pé, a água suja cobria-lhe os joelhos, e os muçus, ao lhe roçarem as pernas, davam-lhe mais asco do que medo.” (194)
Omar sentia falta da mãe, de carinho e atenção além de sofrer uma grande abstinência do álcool, tendo até alucinações. Essas carências acabaram agredindo seu físico. Omar se tornou velho, com um rosto cheio de rugas e sem forças.
“Estava magro, meio amarelo, barba de uma semana, o cabelo crespo com jeito de juba. Os braços cheios de arranhões, a testa avolumada por calombos. Os olhos fundos e acesos davam a impressão de um ser à deriva, mesmo sem ter perdido totalmente a vontade ou a força de recuperar uma coisa perdida. (...) “Só osso e pelanca...”(193)
O irmão mais novo era um homem destruído. Omar pensou em voltar para casa, mas a casa fora vendida para pagar a dívida pendente com seu antigo sócio. E como se não bastasse, ele lembrou que sua mãe não estava mais viva. Podemos reparar, no trecho a seguir, que Yaqub realmente calculou sua vingança, esperou até que sua mãe morresse para que pudesse agir.
“(...) o irmão distante havia calculado o momento adequado para agir. Yaqub esperoua mãe morrer. Então, com truz de pantera, atacou.” (192)
Só restou em Omar o ódio ainda maior pelo irmão, que acabou, de um jeito ou de outro, por “matá-lo”, destruindo-o moralmente, consumando sua vingança . A vingança de Yaqub estava feita.
3. Intertextualidade: A retomada da história de Caim e Abel na obra Dois Irmãos
Comparando-se a narrativa bíblica de Caim e Abel com o relacionamento dos gêmeos no livro “Dois Irmãos”, pode-se ver que são muitas vezes semelhantes e muitas vezes diferentes, com um grande distanciamento de abordagem. Há semelhança nos atos de violência entre os irmãos. Cada um deseja o que o outro tem, criando assim a rivalidade constante e ameaçadora. Na obra de Milton Hatoum, a morte acaba por ser psicológica. A “morte” do Caçula é construída aos poucos, depois de sua ida à prisão. A única coisa que lhe resta a ser feita é deixar o tempo vir, pois ele se encontra sem forças e razão para seguir em frente. Sua destruição pessoal e moral, além de financeira, foi friamente calculada por Yaqub.
Mas o princípio da vingança é o mesmo. A inveja do outro, a vontade de receber o que não se tinha, o ressentimento, a rivalidade por toda a vida. Assim como Caim desejou o amor de Deus, Yaqub sempre quis e lutou pelo amor da mãe, que sempre teve olhos apenas para o Caçula. Este sempre também o rejeitou e fez de tudo para que o amor materno fosse completamente seu. Não só o amor da mãe como também os olhares de todas as mulheres. E o mesmo se passa entre Caim, lavrador, e Abel, pastor de ovelhas. Na hora da oferenda, Deus desvia o olhar da oferenda de Caim, Caim não acreditava em Deus e não ouviu suas palavras quando disse: “Assim como as folhas de figo não puderam cobrir o pecado de Adão e Eva, um sacrifício feito com plantas e legumes, sem sangue, também não podia perdoar os pecados”, o que faz com que este fique enciumado, revoltado e principalmente inconformado, de ter sido rejeitado.
O ser humano sempre luta pelos suas vontades. Em “Dois irmãos” Yaqub gera a violência pelos seus direitos roubados, pela vontade de ter uma família e de ser amado, pela vontade de poder continuar em seu lar, de não ter que se afastar e se adaptar a um novo mundo, o Líbano. Assim como Caim, que se afasta da família depois de seu crime, Yaqub também sente que perde o amor da família. A rivalidade entre os dois irmãos, tanto na narrativa bíblica como em Dois Irmãos, acaba por destruir um deles.
A Bíblia e o livro relatam a história de dois irmãos diferentes, coloca a questão da rivalidade e da desigualdade e constata o surgimento da violência e inveja. O que vale também dizer que entre eles só existem as diversidades. A desigualdade entre irmãos faz com que pensem: eu não posso ter o que o outro tem, eu não posso ser como o outro é, nada mais natural; assim como Deus aceita a oferenda de Abel e assim como Yaqub, apesar de ser “o rejeitado”, acaba por ter um ótimo futuro. Essa naturalidade, essa normal diferença, se torna insuportável, causa muitas vezes uma rivalidade, resultando na vingança, que pode gerar violência.
Vemos outros pontos de contato mais explícito entre as duas histórias nas próprias palavras dos personagens, quando Yaqub diz que se houvesse confronto direto entre ele e Omar seria “uma cena bíblica” (p. 171). Também Zana, ao tentar a reconciliação entre os dois irmãos no projeto do hotel afirma que não era a mãe de Caim e Abel (p. 170). São referências que nos permitem dizer que Milton Hatoum teve a história de Caim e Abel em mente quando criou Yaqub e Omar”.
Depois de já ter nascido o sentimento que mistura ira com tristeza, se torna difícil controlar os impulsos e vontades, Yaqub se controlou, ou apenas ficou elaborando sua vingança, por muito tempo. Deixou que por anos o ressentimento ficasse apenas guardado em si, que seu rancor fosse apenas seu. Mas depois de certo tempo o controle se tornou insuportável e a fera escapou, assim como foi entre Caim e Abel. Esse sentimento seguido de tal ação parece ser natural no ser humano. Todos estão sempre querendo eliminar aquilo que não os deixa existir por completo, o que os prende ou ainda que os façam “invisíveis”, roubando os olhares, a atenção de um terceiro.
Conclusão
Concluímos pela analise da obra literária “Dois Irmãos” de Milton Hatoum , que é possível estabelecer uma ligação entre Yaqub e Omar, e Caim e Abel.
Destaca-se, nos primeiros capítulos, a semelhança de ambas as histórias. É possível logo perceber a rivalidade e a rejeição. De início, os conflitos de Yaqub e Omar são gerados na infância, mas estabelecidos como conflitos de inveja, vontade de ter a garra e coragem do próximo; e que se comparam à Caim e Abel, onde a diferença de coragem e força física também é demonstrada.
Além deste conflito, a rejeição é o ponto mais demonstrado em ambas as histórias. Yaqub rejeitado desde seu nascimento e Caim rejeitado desde sua fraca oferenda a Deus sem fé. Para Caim o simples fato de ter sido rejeitado é suficiente para que se vingue do irmão e acabe, por fim matá-lo. Já para Yaqub a vingança é algo mais planejado, o que Yaqub queria, decerto não era a morte do irmão, mas sim o sofrimento do mesmo. Yaqub queria que ele sofresse, assim como Omar o tinha feito sofrer, resultando, então, na morte psicológica de seu irmão. A morte psicológica é algo que se perpetua ao longo dos anos vividos, a dor que sempre será sentida.
Respondendo a Research Question: “Como Milton Hatoum retoma a narrativa bíblico de Caim e Abel em seu romance “Dois Irmãos””?: o fato de Milton Hatoum citar a narrativa bíblica em seu romance nos dá maior certeza de que o mesmo teve certa influência, podemos dizer que foi a base inspiradora para que o romance surgisse.
Como já foi dito, acredito que esta narrativa teve uma grande influência para que Milton Hatoum criasse seu romance “Dois Irmãos” , mas acredito também que deveriam ter sido avaliadas, mais a fundo, outras narrativas bíblicas, assim como Esaú e Jacó, Ismael e Isaac, enfim que pudéssemos levar em consideração outros cenários e conflitos que enfatizassem os sentimentos de rivalidade, inveja, ressentimento e rejeição.
Bibliografia
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