Syme acredita que por volta de 2050, todo conhecimento da Anticlíngua e da literatura do passado terá desaparecido; com efeito, o Partido passará a pensar pelos homens. Com isso, não haverá mais crimidéia por não haver como expressar esse crime.
Crimidéia são idéias ilegais para o Partido, e, portanto quem tivesse esses pensamentos é um perigo à sociedade devendo ser vaporizado.
A Novilíngua traz novas palavras que definem como as pessoas devem agir, como crimedeter e negrobranco. Crimedeter existe para deter qualquer pensamento perigoso contra o Partido, necessita-se uma estupidez protetora da pessoa para não ter esses pensamentos.
Como é dito no livro, “a sociedade oceânica repousa na crença de que o Grande Irmão é onipotente e o Partido infalível, mas como na realidade, nem o Grande Irmão é onipotente, nem o Partido infalível, é preciso haver uma incansável flexibilidade na interpretação dos fatos.” E é aqui que entra a palavra negrobranco, que possui dois significados. Um quando é dirigida à um adversário caracterizando “o hábito de afirmar imprudentemente que o negro é branco, em contradição aos fatos evidentes. Aplicada a um membro do Partido, significa leal disposição de dizer que o preto é branco quando o Partido o exige.”
Essas palavras estão ligadas ao duplipensar, mais um mecanismo usado pelo Partido para ter o controle. É a manipulação da verdade. O Ministério da Verdade está encarregado de fazer isso, falsificando cotidianamente o passado. Através do duplipensar, o que não era, passa a ser porque sempre foi.
Um dos lemas do Partido é “Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado”. O Partido faz do passado o que deseja.
Em duplipensar, entra também patofalar e facecrime. Patofalar é tagarelar, falar coisas e frases sem sentido e pode ser um insulto quando é dito a um adversário ou um elogio a um irmão. Quando Winston está conversando com Syme aparece a primeira definição de patofalar, e George Orwell escreve: “Olhando a cara sem olhos, a mandíbula mexendo sem parar, Winston teve a sensação curiosa de não se tratar de um legitimo ente humano, mas de uma espécie de manequim. Não era o cérebro do homem que falava, era a laringe. O que saía da boca era constituído de palavras, mas não era genuína: era um barulho inconsciente, como o grasnido dum pato.”
Facecrime sugere uma anormalidade, algo oculto, como a não concordância com o Partido, são coisas que não são ditas em voz alta, mas que a expressão facial não consegue esconder, como um tique nervoso ou um olhar de ansiedade.
O que o Partido quer fazer com essa facecrime é tornar pessoas ortodoxas inconscientemente, o zelo não basta porque tudo o que alguém pensa denuncia-o pela expressão facial. A Ortodoxia é perfeição para ninguém ser vaporizado.
E os proles são o alvo do Partido porque são a esperança para a mudança no Governo da Oceania, por isso, tirando o vocabulário deles, o Partido está diminuindo a chance de uma revolta.
Citando o livro, “uma sociedade hierárquica só é possível na base da pobreza e da ignorância”.
Em A Metamorfose, Gregor, a personagem principal, perde a capacidade de se comunicar com seres humanos após se transformar em um inseto durante a noite.
No começo ficamos confusos, pois quando o gerente da firma em que Gregor trabalha e sua família, preocupada com ele, batem na porta de seu quarto à espera de uma resposta, Gregor responde com naturalidade, como se todos o estivessem entendendo, mas na verdade sua incapacidade de comunicação faz com que seu silêncio seja aceito pela família como uma resposta (ainda porque mesmo antes da metamorfose, Gregor e sua família não tinham uma relação forte; Gregor era apenas o provedor de renda da casa).
Gregor chega a achar que sua voz estava apenas diferente, a mesma de antigamente, mas era como se viesse de baixo e era apenas um sinal de que estava ficando resfriado.
Só descobrimos que os humanos não conseguem entendê-lo quando Gregor responde ao gerente, uma longa e explicativa resposta, e o gerente pergunta aos pais se eles entenderam uma única palavra e diz que parecia uma voz de animal.
Esse fim da linguagem determina o fim da vida Gregor Samsa como humano. Quando a comunicação não é mais possível, isso leva ao fim do homem.
Quando uma pessoa não tem condições de se comunicar acaba com a possibilidade de ter escolhas, de opinar sobre alguma coisa. Como Gregor, quando sua irmã decide tirar os móveis de seu quarto, não tem como mostrar sua opinião. Na verdade, acha bom que seja feita a retirada dos móveis para ter mais espaço para se rastejar, mas no ponto de vista da mãe, fazer isso podia significar que a família o estava abandonando, mostrando que já não tinham nenhuma esperança de que Gregor melhorasse, mas a irmã é persistente e os móveis são retirados. Em momento algum, ninguém da família soube a opinião de Gregor sobre o assunto, isso foi feito por meio de suposições de que Gregor preferiria.
Gregor perde todo o seu significado, a exclusão da linguagem na vida dele nos mostra o poder da destruição por meio da linguagem. A falta de linguagem torna Gregor submisso à sua família.
Conclusão
Este trabalho teve como objetivo analisar as duas obras lidas, 1984 e A Metamorofose, com foco na perda de comunicação das personagens.
Após a análise, percebemos que para um ser humano ser livre, ter a liberdade de expressão, é necessária a habilidade de comunicação, pois sem isso a pessoa torna-se submissa à superiores. Como Gregor é dependente de sua família e como toda a população de 1984 é submissa ao Partido.
Existe uma linha quase imperceptível que liga liberdade e linguagem; segundo estudiosos, a linguagem surge a partir do momento que um desejou exercer um domínio sobre o outro. Em 1984, o controle é exercido por uma sociedade que supera o indivíduo, resultando na sua força. Em A Metamorofose, o domínio da família de Gregor sobre ele também ocorre, mas em menor escala, por sentirem nojo de Gregor, o isolando em seu quarto.
Limitar a língua é uma forma de limitar a capacidade expressiva e criativa, como é possível se rebelar sem saber dizer não? E como pensar em liberdade quando não se há palavras para expressá-la?
As duas obras foram escritas anos atrás, mas continuam tendo uma forte influência na sociedade. Porque seres humanos são iguais em qualquer século, temos esse desejo de dominar uns aos outros. Essas obras vão ser para sempre atemporais, porque mostram os perigos desse controle, manipulação e também da perda da linguagem. Podemos notar isso em qualquer jornal que passe na televisão, que nos dão muitas informações, mas todas superficiais e no fim, nem sequer lembramos mais da primeira notícia. Tudo é uma forma de controle do Governo para mostrar apenas o que querem que o povo veja e acredite, como Orwell disse: “A linguagem política destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como imprimir ao vento uma aparência de solidez”.
Os dois autores mostram a importância da preservação da linguagem e da memória, ou sem essas nunca seremos livres e indivíduos.
Palavras como: plusbom (muito bom) e imbom (ruim). Assim existe só uma palavra para bondade e maldade, mas com prefixos diferentes.
(ORWELL, George. 1984. Ed. Nacional. 22ª edição. 1991 p. 45)
Crimidéia pode ser exemplificada através desse diálogo entre Wilson e Parsons: “ – Crimidéia é uma coisa horrível, velho – afirmou, sentencioso. É insidiosa. Pode te pegar sem que te dês conta. Sabes como foi que me pegou? No sono. Sim, é fato. Lá estava eu, trabalhando duro, procurando fazer meu dever, sem nunca saber que tivesse nada de mau na cabeça. E daí comecei a falar dormindo. Sabes o que me ouviram dizer?
Baixou a voz como Alguém que se vê obrigado a pronunciar uma obscenidade, por ordem do médico ou do juiz.
- Abaixo o Grande Irmão! Sim, foi o que eu disse.”
Parsons foi denunciado por sua filhinha, que o escutou através do buraco da fechadura. “Não me queixo dela. Com efeito, tenho orgulho dela”, afirma.” (p. 216-17)
(ORWELL, George. 1984. Ed. Nacional. 22ª edição. 1991 p. 198)
(ORWELL, George. 1984. Ed. Nacional. 22ª edição. 1991 p. 199)
(ORWELL, George. 1984. Ed. Nacional. 22ª edição. 1991 p. 54)
(ORWELL, George. 1984. Ed. Nacional. 22ª edição. 1991 p. 178)
(ORWELL, George. 1954. “Politics and the English Language” - A Collection of Essays)