Sociologia das religiões

Sociologia das religiões

Introdução

   Ao longo deste trabalho, pretendo fazer uma abordagem, embora superficial, sobre a religião em Portugal, destacando por um lado a Religião Institucional, ou seja, um sistema imposto por uma hierarquia eclesiástica, assente, de base, nos livros sagrados, e por outro a Religião Popular que se pratica essencialmente nos meios rurais, que se traduz num conjunto de crenças e rituais físicos e simbólicos, de criações colectivas, contribuindo, indirectamente, para conferir uma coesão e personalidade a um dado grupo aldeão. É, portanto, o modo como os indivíduos vivem e agem com base nessa religião que tanto seguem e defendem.

   Vou, neste sentido, apresentar uma análise sociológica, das principais diferenças entre a religião institucionalizada pela Igreja Católica, em Portugal, e a religião popular, ou seja, uma religião comunitária ou individual dos indivíduos e fazer uma breve análise pessoal desta distinção e até que ponto podemos falar clara e concretamente desta dicotomia. Paralelamente, irei também apontar algumas considerações sobre o fenómeno religioso bem como a difusão abrangente da religião por todo o mundo. Citarei, com efeito, alguns dos principais autores que teorizaram sobre a religião.  

   Sucinta apresentação das principais características da Religião Institucional e da Religião Popular:  

  • A Religião Institucional católica é um sistema imposto pela hierarquia eclesiástica, que se apoia numa certa ordem social. No meio rural, a religião católica é fundamentalmente um conjunto de formulas, palavras ou gestos apreendidas, muitas vezes não compreendido. No meio rural, o catolicismo está estreitamente relacionado com o sistema da pequena propriedade individual.
  • As características essenciais da Religião Popular, que implicam práticas e cultos populares, são a sua continuidade, uma vez que a aldeia mantêm gestos, datas e certos ritos tradicionais da comunidade; a sua espontaneidade, cuja sua evolução se manifesta alheia ou contra a instituição católicas dominante; a associação que faz entre ritos religiosos e motivações  mais íntimas, como é o caso da adoração a certos santos e por exemplo o beijar da imagem como forma de aproximação; a dessacralização das práticas impostas pela instituição(vontade do grupo em rejeitar o que é imposto), como é exemplo a missa dominical, que não passa, na maioria das vezes, de um encontro entre os membros dessa dada comunidade; o seu “anticlericalismo”, que se traduz numa desvalorização e desrespeito de alguns membros da instituição religiosa; o seu “messianismo”, como é exemplo a sua crença nas aparições de divindades ou em certas imagens, que se insere no fundo religioso de base da comunidade aldeã; entre outros.

   Poder-se-á afirmar que a religião evolui e transforma-se à medida que se assiste ao processo evolutivo da sociedade onde ela está inserida. Com efeito, a religião é mais um  fenómeno social do que a sociedade é fruto da religião vigente. Logo, a religião muda e acompanha a mudança e evolução das sociedades onde ela se encontra, no que se refere à chamada Religião Popular e também no que diz respeito à instituição que a orienta e delineia os seus princípios.    

    Religião: 

   “Consiste num sistema de crenças e práticas relativas a um «não sei quê», impenetrável aos sentidos e à razão e que se define pelo seu objecto que é um mistério, o desconhecido e o incompreensível (não testáveis)”- Max Müller.

      “Sistema de crenças e práticas partilhadas e actuadas habitualmente por uma pluralidade organizada de pessoas, que se julga estabelecerem relações com valores e muitas vezes seres supra- empíricos dos quais estas pessoas se sentem dependentes”- M. Yinger. 

   “A religião é a experiência do sagrado”- R. Otto.

O fenómeno religioso:

   Quando nos referimos a qualquer religião, de um modo geral, todas as religiões se associam à noção de “sagrado”, ou seja, à ideia da existência de um estado separado e transcendente que se opõe a tudo o que é considerado “profano”, isto é, corrente, vulgar ou utilitário; e incluem crenças (normalmente dogmáticas e sistematizadas, sobre o universo, a sociedade, a natureza ou o comportamento humano) e ritos (formas estabelecidas de comportamento individual ou colectivo que actualizam crenças e celebram a relação com o sagrado), o que supõe a crença e a fé, mas que se podem autonomizar em relação a elas.

   Neste sentido, surgem a organização das instituições religiosas, enquanto estruturas de autoridade, e a sua relação com a sociedade, por um lado, e a religião, enquanto fonte comunitária de integração, fonte de mudança social, força cultural ou vontade de poder social, por outro, como aspectos indispensáveis ao estudo do fenómeno religioso.

   Auguste Comte, nos seus estudos sobre a religião, retoma a herança de todos os homens da revolução francesa que nunca conseguiram deixar de adorar algo que os transcendesse, representando, assim, a linha da religião civil. Pelo contrário, Karl Marx representa uma linha laica, nascida do Iluminismo,  em que retoma o pensamento de todos os filósofos para os quais a religião não era mais do que pura idolatria e superstição.

   Émile Durkheim foi um dos principais autores que abordaram, sociologicamente, o fenómeno religioso. Durkheim vê a religião como a projecção externa da consciência social, ou seja, como um conjunto de normas partilhadas pelos indivíduos aculturados da mesma forma. É esta a tese defendida em Formas Elementares da vida Religiosa, ideia que remonta a Fustel de Coulanges (Cidade Antiga). Havia sempre um grupo a partir do qual se prestava culto aos deuses. Na origem das cidades há um movimento religioso.

   Durkheim defende, por um lado, a importância da distinção entre o sagrado e o profano e pretende demonstrar o aspecto social da religião enquanto originada pela sociedade e orientada para o serviço da sociedade; e por outro lado, a necessidade da religião e da sua prática para a vida social. Para tal recorre ao estudo da religião totémica, que considera como a forma mais primitiva de religião, utilizando estudos feitos por antropólogos e sociólogos.

   Os fenómenos religiosos, segundo Durkheim, distribuem-se por duas categorias fundamentais: as crenças e os ritos. As crenças “são estados de opinião”, “representações”, ao passo que os ritos são “modos de acção”. A diferença que existe entre estas “duas classes de factos”, do ponto de vista do sociólogo, é que “separa o pensamento do movimento”. Em compensação, ambas têm em comum um objecto próprio que lhes confere a sua natureza religiosa. Todas as crenças religiosas supõem a existência de uma divisão das coisas (reais ou ideais), em sagradas e profanas .   Durkheim  entende

que este é, exactamente, “o traço distintivo do pensamento religioso”, isto é, a qualificação  do mundo em duas categorias distintas e opostas. Há ainda que referir que, para Durkheim, “os cultos individuais constituem não sistemas religiosos distintos e autónomos, mas simples aspectos da religião comum a toda a Igreja de que os indivíduos fazem parte”. O individualismo religioso, na sua opinião, não é senão algo que se inscreve sobre a verdadeira natureza da religião, no que diz respeito ao carácter colectivo, o qual se encontra em evidência na definição que o autor nos dá (“Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, interditas; crenças e práticas que unem numa mesma comunidade moral, chamada Igreja, todos os que a ela aderem”).

   A concepção de Religião em Durkheim pode sintetizar-se da seguinte forma: A Religião é um facto social porque nasce e se afirma em função das exigências do grupo. O grupo, apesar da sua integração, tem uma existência sempre ameaçada por forças desagregadoras. Para munir-se contra esse perigo, o grupo projecta fora de si a consciência de grupo como qualquer coisa de superior ou de inatingível, de sagrado. Tal consciência não pode permanecer só ao nível das consciências individuais, tendo que passar para a consciência de grupo. Neste sentido, como projecção dessa consciência nasce o “totem”(pessoa, animal, coisa), nascem os mitos, os ritos, isto é, coisas ditas sagradas. Há que ter em atenção que o sagrado não é propriamente uma qualidade dos objectos, mas uma atitude do crente. É deste modo que ele se liga aos membros dos outros grupos ou à consciência do grupo.

   A influência de Durkheim foi importante e pode até ser considerada como base da abordagem funcionalista da religião. A função principal da religião seria a de manter a coesão do grupo.

   Segundo este sociólogo, a religião tem algo de eterno, devido à sua capacidade de sobreviver a todas as formas que assumiu, a todos os símbolos que a traduziram. Todas as sociedades precisam de habitualmente afirmar a sua própria unidade, reforçar o seu sentimento, através de reuniões, em que os indivíduos, em conjunto, reafirmam os seus sentimentos colectivos. É por este motivo que, para Durkheim, mesmo nas sociedades modernas, a religião não morrerá.

 

A Religião Institucional em Portugal 

   A religião institucionalizada em Portugal é a religião católica. A Igreja católica romana, enquanto instituição, não é unicamente uma comunidade de fé. Vive a sua vivência histórica desde há cerca de 2000anos sob a forma de uma sociedade religiosa, cujos ritos e sacramentos, que são os meios de acesso à graça divina, unem os fiéis numa relação fraterna perante uma hierarquia específica. Deste facto, decorre uma disciplina própria da Igreja, que se rege por um direito interno(o direito canónico). O catolicismo consiste, após uma longa evolução histórica, numa importância atribuída à tradição e ao magistério, e não apenas às escrituras como única fonte de manifestação. Define-se também pela obediência dos seus membros aos ensinamentos do papa e dos bispos em matéria de fé e pelo reconhecimento de um sacerdócio “ministerial” e hierárquico, implicando o sacramento da ordem. A legitimidade das práticas de devoção para com Nossa Senhora e outros santos constituem um dos aspectos indispensáveis da Igreja católica romana.

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   No que se refere à estrutura da Igreja católica, esta tem à sua cabeça, o papa. Eleito pelo Sacro Colégio, o senado dos cardeais, que tem a reputação de infalível e o poder de jurisdição absoluta sobre todos os membros da Igreja, cleros ou leigos, e é o chefe supremo da hierarquia eclesiástica. É também o soberano do Estado independente do Vaticano. Os assuntos gerais da Igreja católica são tratados em Roma, na Cúria, ou seja, uma espécie de governo, tribunais e função pública. O grau de hierarquia imediatamente inferior ao papa são os cardeais. De seguida são os ...

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