No que se refere à estrutura da Igreja católica, esta tem à sua cabeça, o papa. Eleito pelo Sacro Colégio, o senado dos cardeais, que tem a reputação de infalível e o poder de jurisdição absoluta sobre todos os membros da Igreja, cleros ou leigos, e é o chefe supremo da hierarquia eclesiástica. É também o soberano do Estado independente do Vaticano. Os assuntos gerais da Igreja católica são tratados em Roma, na Cúria, ou seja, uma espécie de governo, tribunais e função pública. O grau de hierarquia imediatamente inferior ao papa são os cardeais. De seguida são os bispos, que orientam as dioceses, onde existe um sacerdote (os padres).
Para fazer parte integrante da Igreja católica há que realizar os sacramentos, ou seja, sinais sagrados e acções rituais que produzem efeitos de graça sobrenatural. Cada sacramento cria pelo simples facto de ser recebido a graça que lhe é própria e que é uma santificação. São reconhecidos 7 sacramentos:
-
Baptismo: é o rito de integração na comunidade cristã. Instituído por Jesus, apaga as marcas do pecado original e introduz o indivíduo(criança ou adulto, se receber anteriormente os ensinamentos dogmáticos e morais católicos) na vida da graça. Geralmente é administrado por um sacerdote.
-
Confirmação: é o sacramento de complemento do baptismo, que tem por objectivo confirmar o novo cristão na sua fé.
-
Eucaristia: é o maior dos 7 sacramentos. Foi instituído por Jesus durante a última ceia pascal, que tomou com os seus discípulos, na noite de quinta-feira, antes da sua morte. Só o sacerdote é que pode consagrar o pão e o vinho, matérias do sacrifícios, que, segundo a doutrina definida no Concílio de Trento, se transformou “realmente, verdadeiramente e consubstancialmente no corpo e sangue, na alma e na divindade de Jesus Cristo sob as aparências do pão e do vinho”.
-
Sacramento da penitência: Foi também instituído por Jesus. Consiste num rito secreto de confissão auricular. O perdão de Deus passa obrigatoriamente pela palavra do sacerdote, que
concede a absolvição dos pecados a quem manifeste, após ter reconhecido as faltas cometidas.
-
Sacramento do doentes: Reservado outrora às pessoas em perigo de morte (daí o nome de extrema-unção), é constituído por orações destinadas a dar ânimo ao doente ou dar unções.
-
Sacramento da ordem: concede o poder de exercer as funções eclesiásticas e a graça para o bem as exercer. É administrado pelo bispo. Na Igreja católica, o acesso ao sacerdócio é marcado por diversos graus a que o bispo chama os candidatos: é a vocação.
-
Casamento: união indissolúvel de um homem e de uma mulher, com vista à formação de uma família, como uma imagem dos laços que unem Cristo à sua Igreja. O matrimónio é o único sacramento que não é administrado pelo sacerdote: este funciona como testemunha, pois são os esposos os verdadeiros ministros do sacramento. O sacerdote recebe o consentimento mútuo e abençoa a sua união.
A principal mensagem cristã engloba os seguintes aspectos: “Jesus é o messias”, uma moral para a obtenção da salvação, e o “amor a Deus”.
O Evangelho proclama que Jesus é o messias: ressuscitou verdadeiramente dos mortos e virá, no fim dos tempos, julgar os homens. Esperando esse regresso, enviou o Espírito Santo como garantia do reino que há-de vir, para juntar a comunidade dos crentes. Ensina também o que os homens devem fazer para obter a salvação, visto que da revelação divina decorre uma lei, um código de comportamento dos cristãos no mundo. O mandamento “Amai-vos uns aos outros” implica deveres concretos. Mas a lei de Cristo não é apenas um código de regras para uso de uma sociedade. Implica, portanto, novas relações entre o homem e Deus: a criatura volta-se para o seu salvador e espera o seu regresso depois dos seus actos terem sido julgados. No entanto, o fundamento primordial da vida cristã é a fé em Deus. Mas esta fé que estabelece novos laços entre o homem e o seu senhor funda também um novo tipo de relações entre os que partilham essa crença porque ela tem como fundamento o amor de Deus: a fonte de toda a vida moral e social é esse amor inesgotável com que também Deus amou os homens e o mundo. Desde os primeiros tempos do Cristianismo, a mensagem cristã assenta em não se dissociar o amor de Deus e do próximo e que não pode haver fé senão vivida no amor.
É, neste contexto, interessante fazer um paralelismo entre esta mensagem defendida pelos textos católicos sagrados e as práticas sociais dos homens ao longo de vários séculos que, segundo aqueles que ocupavam lugares importantes na hierarquia católica, eram realizadas em nome de Deus (exemplo: actos de fé no tempo da Inquisição).
Todavia, apesar de serem inúmeras as controvérsias existentes no interior da instituição católica, verifica-se uma institucionalização da igreja católica, no caso português, que poder-se-á caracterizar pela estabilidade, ou seja, permanência e resistência à mudança; pela ligação a necessidades fundamentais: familiar, económica, religiosa; pela normatividade, dado que se apresentam como
obrigatórias e sancionáveis. Estas instituições tem funções vantajosas para o indivíduo ou para a sociedade, como por exemplo o facto de facilitar e simplificar os comportamentos e impedir os comportamentos que se desviem dos instituídos. Por outro lado existem desvantagens como é o caso de uma cristalização dos modelos de agir e de pensar ou de organizar a sociedade, que podem impedir ou dificultar a criatividade e a inovação.
A institucionalização, como processo, dá-se pela repetição e pela habituação. Por exemplo, a difusão no espaço, a persistência no tempo e a repetição dos hábitos contribuem para a forte institucionalização desta religião. Como factores de institucionalização podem destacar-se os efeitos gratificantes do rito e a tendência a repeti-los, e o resultado da busca da responsabilidade, dado que o pertencer a uma colectividade pode conferir um certo status.
Quando no referimos à institucionalização de uma religião, temos, inevitavelmente, que salientar a paralela institucionalização de determinadas crenças. Aqui há que ver a relação entre conteúdo e forma linguística que as crenças assumem. A linguagem é o meio através do qual é comunicada a mensagem. A linguagem pode variar com o tempo, com os lugares ou com os meios sociais. Quando falamos na institucionalização de um culto, dá-se a passagem da experiência à formalização para se poder transmitir a experiência primitiva que pode ser individual ou colectiva. A experiência transmite-se mais facilmente através de ritos do que pela palavra, em que se procura determinar as formas, os responsáveis e os lugares de culto. Porém, uma vez que a religião está construída assiste--se ao inverso, ou seja, passa-se da formalização à experiência. Quanto à institucionalização da organização em si , verifica-se a passagem do carisma ao ofício, e depois passa-se por outras fases: uma dela é a rotinização, isto é, passagem do grupo espontâneo, formado à volta do chefe, para um grupo estruturado. E isto também se verifica noutras áreas, não só no religioso. Há também aqui a divisão de papéis, bem como uma estruturação territorial: há uma organização social das pessoas e dos espaços, como é evidente na organização da Igreja católica. No que diz respeito à institucionalização de uma moral, aqui, verifica-se um processo de passagem da espontaneidade para o juridismo e de um só preceito a uma multiplicidade de preceitos (diria, até, dogmas).
Relativamente aos fiéis, a religião organizada é menos exigente, pelo que parece, pois tende ao imobilismo ético e doutrinal, em que os fiéis ficam assegurados psicologicamente, dado que têm à sua disposição meios simples e eficazes para obter a salvação. Há ainda que referir que a religião permite à comunidade de fiéis (institucionalizada) ser facilmente reconhecida pelo resto da sociedade. Daí que quando há seitas ou movimentos haja sempre uma certa dificuldade para serem reconhecidos. A institucionalização poderá, portanto, introduzir motivações socio-culturais mas não conseguir uma verdadeira conversão por parte dos indivíduos. E, um exemplo é o facto de hoje em dia muita gente dizer que é católico, mas a verdade é que age socialmente de um forma contrária aos princípios doutrinários da Igreja católica, ou então até pratica, mas com vista a obter algo em seu benefício, o chamado “toma lá, dá cá”- um exemplo são as imensas promessas que se praticam.
A Religião Popular em Portugal
Entende-se por Religião Popular, e remetendo para Moisés Espírito Santo, em A Religião Popular Portuguesa, um sistema religioso que possui uma determinada autonomia em relação à instituição eclesiástica, embora quer um quer outro apresentem aspectos comuns e por vezes se relacionem. Neste sentido, não deve dirigir-se a religião popular para uma população unicamente associada a uma classe social baixa, mas sobretudo a um certo tipo de cultura predominante que se traduz nos relacionamento pessoais e sociais das vizinhanças e das memórias colectivas. Este tipo de cultura distingue-se da cultura ensinada nas escolas e das classes preponderantes, bem como do sistema erudito que se aprende na catequese ou numa faculdade de teologia. Há ainda que referir como característica dominante a espontaneidade e a criação colectiva desta religião popular com um caracter popular da comunidade ou de uma classe popular homogénea. Por outro lado, a religião institucional (católica) segue e pressupõe determinados contornos intelectuais, que se podem caracterizar como uma religião “dogmática, rígida e erudita”, segundo Moisés Espírito Santo.
Na sua obra, A Religião Popular Portuguesa, o autor realizou um estudo sobre as práticas religiosas populares do Norte de Portugal, destacando a intensidade com que vivem a religião, os mitos, as superstições, as imagens simbólicas e a própria relação individual (ou não) dos camponeses para com Deus, dado que nas regiões, e pequenas aldeias estudas, continuam a praticar--se ritos, que passam de geração em geração e são claramente levados a cabo por grande parte destes campanários, que muitas vezes já foram condenados pela instituição católica. Para estas populações religião católica, magia, feitiçaria formam um todo coerente no interior desta chamada religião popular, em que muitas vezes recorrem aos mesmos símbolos e rezas da religião institucional. Poder-se-á dizer que esta religião popular não morre, visto que ela interioriza-se de tal modo para estas pessoas, sendo quase sempre uma herança de antepassados.
Ao longo da sua obra, Moisés Espírito Santo apresenta a importância de alguns elementos naturais para estas populações. Desde logo há que referir que a localização, o nome e a paisagem das aldeias têm uma origem sagrada para estas, uma vez que foram escolhidos por heróis míticos, pois diz-se que por aí passaram ou aí morreram. E estas são histórias sustentados de geração em geração, sem que causem qualquer dúvida. Também todas as aldeias reclamam a passagem de mouros por estas, pois estes são conotados como homens heróicos e prestigiosos. Este mito sobre as origens da aldeia é sobretudo uma maneira de relação real e íntima entre a população e a religião, pois a presença de locais ou objectos históricos contribui para a coesão, para o patriotismo local e para o sentimento de união e parentesco entre os indivíduos da aldeia. Há, neste contexto, que salientar que a aldeia é tida para os seus habitantes como “a terra-mãe”, isto é, uma mãe que alimenta. Todo o espaço que envolve este território é fechado e bem delimitado, em que no centro se encontra normalmente a igreja matriz, que simboliza toda a comunidade (“os objectos erguidos no centro do território
são o polo de atracção do grupo para o seu centro e impedem que a comunidade se dissocie”). As pedras e as grutas também são objectos com extrema importância para os camponeses. As pedras são tidas como fecundantes, em que pedras redondas encontradas na natureza são objecto de culto religioso, o que está relacionado com a procriação e o aleitamento; e também como meio para curar doenças. As grutas são encaradas como protectoras, pois por ali passou algum santo ou identidade protectora.
Em qualquer ritual popular, ou católico, verifica-se com elevada frequência a presença da água: este elemento simbólico representa por um lado o oceano com matriz primordial e, por outro lado, o meio amniótico materno. Mas, apenas a água “viva” que brota da terra é entendida como sagrada. Daí muitas vezes se falar em águas santas, ou banho santos que tratam problemas. Esta conotação ao sagrada é justificada, ineficazmente, através da presença de personagens bíblicas ou heróicas (“uma fonte sagrada brotou sobre a rocha onde D. Ana se sentou”). Também as árvores e as plantas são objectos naturais importantes: um imenso número de plantas são utilizados na religião popular, fundamentalmente, nos ritos de “talhar” e de libertação. A planta é sempre verde e tem um papel preponderante quando utilizada, quer seja para “dar a vida” como para “dar a morte” a alguém. Entre as plantas sagradas, a mais primacial é a arruda. As montanhas são locais com grande significado para os camponeses mas, neste caso, por constituírem um elemento perturbador e de respeito, dado que estas comunidades vêem nestes espaços algo misterioso e hostil, ao passo que a planície representa transparência. Os animais, presença constante neste meio rural, também desempenham importância para os camponeses, em que o animal branco é vistos como “solidário do sol”, ao passo que o animal de cor preta é “ruim”, “cúmplice da lua”. Podem destacar-se os seguintes exemplos: o galo, que é entendido como um símbolo solar, o símbolo do pai; os morcegos, as corujas e os sapos( relacionados com manobras monstruosas e utilizados em receitas para provocar a infelicidade de alguém) são vistos como “inimigos jurados do Sol”; os louva-a-deus, são vistos como sagrados. Mas mais importante que estes animais é a serpente: a cobra que está ligada à memória dos antepassados e a toda uma série de histórias que a si estão conotadas.
A questão do tempo numa aldeia varia bastante do tempo citadino, dado que se caracteriza pela espera (“é que se siga o tempo”) e só é entendido a partir da mudança, e esta só é apreendida a partir do momento em que todo o grupo também tenha mudado, enquanto que na cidade “persegue-se o tempo”. Para os camponeses, a felicidade situa-se sempre no passado, sempre para trás, ao passo que a sociedade urbana pensa constantemente no futuro. O Sol e a Lua são vistos como identidades naturais bastante importantes para a vida destas comunidades rurais: ao sol são atribuídas funções como as se fossem dadas a um pai, de onde se destaca a fecundidade e o controlo sobre os cosmos; a lua é uma mãe, em que se lhe atribui a procriação das espécies, o nascimento, a morte e a regeneração. Tal dualidade vai condicionar em grande parte a religião e os mitos e ritos populares.
Os feitiços ou as orações dirigidas ao sol surgem muitas vezes associadas a uma linguagem
católica, como é por exemplo o caso do encantamento chamado de “padre nosso pequenino”. Por outro lado, há vários rituais negativos que não se devem praticar: por exemplo: se o olharmos de frente, diz-se que pode conduzir à cegueira; se lhe apontarmos o dedo, isso irá provocar verrugas nos dedos. A lua, por sua vez, é um astro primordial para a organização do calendário agrícola e na simbólica da morte e da fecundação: por exemplo, o gosto da carne de porco muda segundo a fase da lua em que o animal é abatido.
De acordo com a organização do calendário dos camponeses, o trabalho, a religião e vida social estão estreitamente ligados a uma multiplicidade da existência, em que não se sabe concretamente se numa cerimónia se está a celebrar uma divindade, a vida da comunidade, a ordem ou a evolução da vegetação. Uma das épocas do ano em que trabalho, vida social e religião se inter-relacionamento é por exemplo o caso da quaresma, que dura 40 dias, depois do Carnaval até à Páscoa. Durante este período, os camponeses fazem certos ritos específicos, essencialmente de carácter negativo, a saber, a abstenção do consumo de carne, fundamentalmente, à 6ª feira; a proibição de actividades ruidosas, de cantar ou vestir roupas alegres bem com o jejum. Estas, entre outras interdições, “ recordam a morte colectiva mais que a de Cristo, sendo esta como que uma parte do conjunto”.
Na vida social da aldeia, a igreja matriz desempenha um papel bastante importante para a dinâmica da comunidade e para o seu inter-relacionamento. Estas igrejas foram construídas na direcção leste-oeste, de maneira a que, no seu interior, os fieis fiquem voltados para o sol nascente (“vestígio do culto solar”), situando-se normalmente no centro do território aldeã. Não obstante, em qualquer que seja a região, na sua arquitectura, as linhas curvas são predominantes, em que quase tudo na igreja tem uma tendência a arredondar-se, como o caso das portas, janelas, abóbadas, arcadas, arcos, claustros, entre outros, “a que G. Bachelard chamou «fenomenologia do redondo»”. O poder de integração de uma comunidade evidencia-se bastante no modo como todos e cada um cuida do seu templo, visto que o que todos pretendem é ter uma igreja cuidada, de modo a que a sua grandeza e altura representem o seu domínio pelo espaço. Neste sentido, contribuir para a construção ou regeneração do templo da aldeia é um dever que deve ser praticado por todos, sejam estes religiosos ou não. Assim, como a igreja é o “centro” da aldeia, a religião encontra-se centrada na igreja, em que a hierarquia das divindades é a mesma das imagens dos santos venerados na igreja, a qual varia de uma comunidade para outra. Outro lugar também importante, para as festas e romarias, da comunidade aldeã são os santuários, que na maioria das vezes representam um papel muito mais preponderante, sempre construídos em função de uma dada identidade sagrada. Caracteriza-se, na maioria das vezes, pela inacessibilidade.
Chamam-se romarias às festas que se realizam nos santuários populares e são inteiramente
distintos daquelas que são organizadas e controladas pela Igreja. Estas romarias duram vários dias e são um ponto de convergências de muitos fieis, para os quais, na maioria das vezes, o aspecto
religioso, que a Igreja católica privilegia, torna-se secundário, pois “apenas um quarto do romeiros assiste aos ofícios católicos que lhes são propostos”.
Um aspecto também interessante quando falamos destas populações rurais é a forma como eles
falam de Maria, uma vez que não dizem “Nossa Senhora”, nem “Virgem Maria”, referindo-se a ela como “ a Senhora”. Este culto tão popular e intenso a Maria é justificado pelas aparições, mas na maioria das vezes, para os fieis, esta “senhora” que muitos idolatram não é vista como a forma de uma pessoa, mas apenas como estátuas que “ depois de soterradas em grutas, elas voltam à superfície, resplandecentes”. Este culto a Maria está bem patente entre os pescadores, tendo em conta que todas as igrejas da costa do Norte são dedicadas a “Nossa Senhora”.
Para esta Religião Popular, dos meios rurais, a palavra desempenha uma função crucial para a realização dos seus pedidos. Os fieis rezam quando pretendem dirigir-se a um santo ou divindade. É aqui interessante verificar que esta relação é muitas vezes construída assente no “toma lá, dá cá”, comprovando-se, deste modo, que esta religião popular nega, portanto, os louvores gratuitos. Aqui, cada formula ou reza tem um objectivo preciso para as mais variadas situações, em que grande parte delas só são conotadas a um carácter religioso porque terminam com um pai-nosso ou ave-maria. É exemplo disso orações a Santa Bárbara para acabar com a trovoada. Como justifica o autor de A Religião Popular Portuguesa, face a considerações de Mauss a explicação para estas orações “são mitos ou fragmentos de histórias, que nada explicam, limitam-se a estabelecer um precedente que constrói o ideal e a garantir a sua perenidade, e que contêm directivas práticas quanto à maneira de proceder”. O poder das palavras, e a crença na sua sacralidade, é muito forte e encontram-se em todas as classes sociais. Um exemplo disso é que muitas vezes, os aldeãos evitam dizer certas palavras fortes, pois por si são temidas, substituindo-as por eufemismos (ao referirem-se ao cancro, tratam-no como “doença ruim”). Outro exemplo, é quando os aldeãos utilizam determinadas expressões para expulsar espíritos de pessoas possessas (“ Eu te expulso para o mar coalhado onde não canta galinha nem galo por mil vezes mil anos”). E, para a concretização destas frases chave, é crucial a fidelidade na transmissão destes ritos verbais, de geração em geração, para a sua eficácia religiosa. A repetetividade é também bastante importante para a eficácia destas formulas verbais. Estes ritos verbais são também, muitas vezes, acompanhados por movimentos circulares ou um sinal com a mão, sendo o mais usual para possuir ou para desenfeitiçar uma pessoa ou coisa é o sinal da cruz, utilizado em muitas ocasiões na doutrina católica.
Nestas comunidades rurais assiste-se à existência de mulheres bastante influentes e vistas como mulheres de virtude e com poderes - as chamadas “benzedeiras”. Estas são pessoas analfabetas, de condições económicas reduzidas e não recebem nada pelo seu trabalho. Elas reúnem quer a prática do sagrado e da recitação, quer da cura mágica associada à Religião Popular. O anonimato também se apresenta como uma característica destas mulheres, o que lhes proporciona um reforço no seu poder, como “ uma função religiosa e social, impessoal; são mães colectivas”.
Neste contexto, torna-se complicado separar claramente os conceitos de religioso e mágico, já que como o autor citou Mauss “ entre as coisas profanas e as coisas sagradas existe toda uma série de entes intermédios(demónios, génios), tal como entre a religião e a magia existe uma gama de transições que apenas se distinguem pelo seu lugar nos rituais”.
A função da benzedeira traduz-se em pronunciar determinadas frases acompanhadas de gestos, ou em alguns casos, “de confecções de uma receita que nem sempre é aplicada sobre o corpo do doente”, uma vez que estas mulheres não curam ninguém, elas libertam as pessoas dos seus males. Uma das palavras mais presentes, e das mais fortes, nas suas formulas é a palavra “talhar”. Estas formulas são libertadoras e desligantes, em que ao chamar-se pelo nome da pessoa e ao referir-se à dada doença ou problema, se citam as formulas por elas conhecidas. A eficácia dos ritos verbais é uma realidade para muitos destes aldeãos seguidores, uma vez que estes ritos e formulas religiosas, sendo institucionalizados ou populares, a verdade é que são reais e funcionam, e não devido a algum santo ou divindade, mas face à acção das palavras e dos gestos. Aqui, o que é primordial compreender-se é a intenção e a intensidade com que as rezas ou os pedidos são efectuados.
Nas aldeias, de tradições populares, embora a doutrina católica não concorde, existe a crença no regresso dos espíritos e fala-se, muitas vezes, que fulano está possesso por um espírito. Apesar de em cada diocese existir um padre destinado para a realização de exorcismos, os camponeses preferem antes recorrer a essas mulheres de virtude- as benzedeiras- visto que de acordo com o que se diz estas “ são mais fortes do que os padres para expulsar os intrusos”, sendo, normalmente, bem sucedidas quando efectuam estas práticas.
Há aqui que salientar que o papel destas mulheres que “talham”, uma relação maléfica, está associado ao papel desempenhado por uma outra mulher, a feiticeira, que realiza rituais ou feitiços de ligação para prejudicar alguém. Logo, “a primeira desliga o que a feiticeira ligou”. É interessante verificar-se que a crença no poder e na eficácia verbal e religiosa destas mulheres está tão generalizado como a religião católica, pois até os católicos não praticantes procuram estas identidades femininas. É, portanto, evidente a afluência que estes tipos de crenças e práticas verbais e rituais têm entre os populares, dado que continuam a desempenhar uma função de extrema importância numa sociedade que no fundo “as engendrou”.
No entanto, embora neste tipo de religião popular, a mulher desempenhe um papel de destaque, quando nos referimos à Igreja e à sua hierarquia tal não se sucede, como anteriormente salientei, dado que todas as hierarquias eclesiais são “redes de pais(padres)”. E, segundo o autor, se a freguesia é entendida como uma mãe protectora, há a necessidade de um pai (padre) para a estabilização desta “família”. O padre das áreas rurais, em Portugal, tem uma grande importância sobre os camponeses, no que se refere à moral, dita cristã, e esta remete-se unicamente para a família. Ao falar com a população, em particular as mulheres, acusa constantemente a permissividade dos homens no que se refere à educação e aos costumes e, por outro lado, o Estado no que se relaciona com o divórcio, o aborto entre outros temas, os quais as instituições católicas insistem em manter posições bastantes conservadoras, de modo a manterem a doutrina que sempre defenderam. Mas, ao mesmo tempo que por si se tem respeito também se receia o se poder. Numa população com elevada analfabetização (em que a observância ritual é o que mais importa, pois a compreensão teológica dos portugueses ainda é bastante empobrecida), o “prior” da freguesia é visto como alguém de grande cultura e conhecimento. Há, neste sentido, também uma grande política do padre entre os populares, que se justifica pelo facto de este ser uma identidade bastante próxima dos aldeãos, tendo aqui em conta que a linguagem dos políticos não tem em atenção a cultura popular, enquanto o padre “conhece as suas ovelhas tão bem como o pastor conhece o rebanho”. Contudo, é muitas vezes “o pastor que segue rebanho”, uma vez que o exercício religioso não manifesta completamente uma adesão aos ideais católicos, que a uma dada religião está subjacente, tendo em conta que uma religião consiste num sistema de valores sociais e simbólicos que se adaptam às diferentes culturas. É, portanto, maioritariamente, resultante de um conjunto de fenómenos sociais e culturais, criados obviamente pela própria sociedade. Logo, “não é a religião que faz as sociedades, é a sociedade que engendra a sua religião”. É curioso que na religião católica portuguesa a quantidade prevalece à qualidade.
Finalmente, e embora sejam inúmeros os exemplos que poderiam retratar a Religião Popular, desta obra A Religião Popular Portuguesa, irei ainda fazer uma pequena referência às missas católicas bem como as suas intenções, implicitamente verificadas. Para os aldeãos a presença na missa é obrigatória, sendo as ausências sempre notadas. A missa dominical é, essencialmente, uma reunião no centro da aldeia, que “ perpetua por acção da memória colectiva”. A presença na missa é também um meio de obter informações, em que durante a celebração, o padre informa os fieis sobre as principais notícias ou novas leis e regulamentos oficiais, bem como, por exemplo, o início do tempo de caça. E, por menos que se compreenda, esta acção é de extrema importância para esta populações de conhecimentos e informações limitados assim como reduzido grau de habilitações literárias. Mas, é à saída da missa que todos confraternizam e comentam sobre os interesses mais variados bem como as principais notícias da aldeia ou do país. Poder-se-á entender estes encontros religiosos, do meu ponto de vista, como um meio de encontro e de inter-relacionamento entre os membros de uma determinada aldeia. E esta união entre os camponeses é bem visível quando estes pretendem defender os seus interesses e a sua “honra colectiva”, como é o caso em que se realiza “a greve da religião”, como meio de protestar e afastar o pároco da aldeia, por exemplo, ou de fazer prevalecer as suas intenções sobre o sistema religioso.
Conceitos importantes para percepcionar esta dinâmica da Religião Popular:
-
Rito religioso: É aquele em que o indivíduo religioso apela a uma identidade sobrenatural para um determinado efeito- exemplo: rezar, por exemplo o terço apenas com fé;
-
Rito mágico: Gesto, posição, palavras ou situação que leva o indivíduo a atingir Deus. A sua eficácia está no próprio rito- exemplo: rezar o terço, em que há um gesto de passar as contas;
-
Magia: É uma atitude que procura manipular o transcendente em seu favor. Consiste em gestos, palavras ou objectos. O sistema mágico pode ser inventado por cada um- exemplos: fazer figas, dizer determinadas palavras.
-
Superstição: Aquilo que alguém diz da má religião dos outros, isto é, uma religião degradada, perdida, condenada. Umas religiões acusam outras como superstições- exemplo: os protestantes acusam e criticam as religiões que prestam culto a santos de religiões supersticiosas; por outro lado, e numa referência à religiosidade popular são inúmeras as superstições existentes- exemplos: a cor branca associada ao bem, à luz, à vida e a cor preta relacionada à morte ou a algo negativo.
-
Crença: Conjunto de elementos intuitivos e cognitivos perceptíveis, quer no aspecto intelectual, , quer no que se refere ao aspecto quotidiano e voluntário, relacionados com uma realidade meta-empírica, de natureza supra-racional e não verificável- exemplo: crença nos santos.
Alguns exemplos que evidenciam este panorama sobre a Religiosidade Popular:
Para complementar o meu trabalho, e após a leitura dos livros A Religião Popular Portuguesa e Comunidade Rural ao Norte do Tejo, de Moisés Espírito Santo, realizei uma pequena pesquisa, junto de uma senhora idosa de uma localidade do interior do Algarve, sobre algumas orações ou formulas libertadoras de alguns “males”, acompanhadas normalmente por gestos ou outros objectos. Estes são apenas alguns exemplos de orações e/ou “benzeduras”:
- “Oração da encomendação”:
“ X (diz-se o nome da pessoa), eu te encomendo pelo santíssimo sacramento e às relíquias que ele tem tido e às três pessoas da santíssima trindade que seja tão bem guardada, noite e de dia, como Jesus Cristo foi guardado no ventre da Virgem Maria e que o anjo da guarda seja o teu guia”(Depois diz-se um Padre Nosso e uma Ave –Maria).
- Oração para afastar “um mau olhado”:
“ Jesus, que é o nome santo de Jesus, onde está o santo nome de Jesus não entra mal nenhum, onde eu ponho a minha mão, põe o senhor a sua virtude que sem a virtude do senhor não vale a minha mão de nada. Dois olhos te olharão mal, três te olharão bem. Em nome do pai, filho, espírito santo, Amem.” ( “E, de seguida, põe-se o dedo num pouco de azeite, numa tigela com água: Se o azeite se espalhar, então, é olhado, e se a pinga de azeite ficar coalhada em cima da água, não é olhado”). Este rito realiza-se 3 vezes.
- Oração para um braço partido, uma perna partida ou casos semelhantes:
“ Jesus, que é o santo nome de Jesus, , onde está o santo nome de Jesus não entra mal nenhum, onde
eu ponho a minha mão, põe o senhor a sua virtude que sem a virtude do senhor não vale a minha
mão de nada. Eu cozo, ( a outra pessoa responde: “carne quebrada, nervo destorcido”), coza a virgem melhor do que eu, que eu cozo pelo vão e a virgem coze pelo são, em louvor de Deus e da virgem Maria”. Seguidamente reza-se um padre-nosso e uma ave-maria. A realização desta “benzedura” é acompanhada por objectos como o novelo de lã e uma agulha. É dirigida a Santo Amaro e realiza-se 3 ou 9 vezes. Oferece-se “à sagrada morte e paixão e a Nosso Senhor Jesus Cristo”. Estas “benzeduras” são sempre direccionadas para uma imagem divina como “ à Nossa Senhora ou às 5 chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo”, entre outras divindades sagradas.
- Oração que apenas se reza na Quinta-feira Santa de Páscoa:
“ quinta-feira santa correu Deus toda a cidade com a santa humanidade e grande peso da cruz a caminho da santa luz das pedras aguentava o sol escurecia Jesus filho da virgem Maria por nós morreria ajuda ajuda aqui Simão que esta cruz é tão pesada que nem sete a levaria cada passada que dava ajoelhava e caía.. olhar para aquele outeiro e ver as ruas brancas alagadas em sangue verdadeiro. Quem esta oração disser quinta-feira santa 30 vezes pela manhã em jejum terá a sua alma tão clara como o raminho da estrela à luz das candeias, portas do céu abertas para a sua alma lá entrar e as do inferno tão negras nem para lá olharão para sempre Amem”.
Daqui poder-se-á, desde logo, tirar algumas ilações sobre esta religião popular associada à ideologia católica, no que se refere à superstição, à repetetividade do rito e à invocação de determinadas identidades divinas para a obtenção de um bem-estar, quer físico, quer mental, pois quando questionei sobre se tais palavras curavam realmente alguém a resposta foi clara(“já ajudei e já vi muita gente se curar”) ou em relação à oração de quinta-feira santa e à sua prática (“rezo todos os anos porque é bom e faz bem”). Respostas mais completas ou justificadas racionalmente é evidentemente impossível. Há aqui também uma clara negação de quer ir contra a ideologia católica, ainda que tais benzeduras ou orações não estejam escritas em nenhum livro sagrado.
De um ponto de vista sociológico, é a própria pratica destes ritos que confere um melhoramento espiritual ou até cura física.
Para finalizar, quando, em conversa, referi o facto da Igreja católica ser contra o divórcio(entre outras práticas) e de nos textos sagrados nada a este respeito dizer, a senhora, ainda que sem nenhuma resposta concisa, disse-me “ Já hoje fui à igreja oh minha salva de prata já hoje fui dar um nó só por morte é que se desata.. é o casamento, pode pôr isso aí” (no que eu estava a escrever ).
Considerações subjacentes:
Até aqui tenho vindo a fazer uma separação entre a Religião Institucional, que consiste num conjunto de regras e práticas, de um modo geral, baseadas em textos religiosos; e a Religião Popular, que se entende como uma religião de superstições e praticas sociais pessoais e colectivas, isto é, refere-se ao modo como as pessoas agem. Mas, até que ponto se pode linearmente fazer esta distinção?
Verificamos, por um lado, uma religião institucionalizada pela Igreja católica (no caso português),
cuja doutrina é difundida pela instituição à qual o indivíduo pertence, tendo práticas obrigatórias para ser entendida como tal, como são exemplos as crenças obrigatórias nos dogmas católicos, práticas obrigatórias (os 7 sacramentos que já salientei), uma moral obrigatória(como ter sempre em mente conceitos como o de pecado ou virtude, ou o que é bom e o que é mau). Por outro lado, encontramos uma religião popular católica que, no quotidiano, apresenta uma série de práticas populares, nas quais os indivíduos acreditam, como são exemplos o facto de rezarem, de acreditarem em santos, nos anjos, em promessas, de irem a Fátima, de acreditarem em superstições e formulas “magicas”. Este tipo de religião nada mais é do que um reflexo da cultura social vigente, neste caso, em Portugal, o que revela bastante da cultura e dos costumes populares e relações interpessoais entre os indivíduos. Não obstante, estes costumes culturais e práticas culturais é acrescentada ao sistema institucional imposto pela igreja. Como exemplo temos o matrimónio, em que este sacramento apenas consiste no “Sim, aceito” e na benção do padre. Porém estas celebrações são, na maioria das vezes, acompanhados de festas e determinadas práticas tradicionais que nada mais são do que meras criações culturais. Outro exemplo é toda a festa e tradições culturais que acompanham o dia de Páscoa, que recentemente se celebrou (A procissão, para além de ser um reunião dos aldeãos e um modo de culto a Jesus Cristo está explicitamente associada à religião institucional católica, já que é a igreja que organiza e dirige a procissão).
Para o povo, religião e festas, são temas importantes na vida diária, como podemos constatar na realidade quotidiana das camadas populares. Em todo o país, religião e festas constituem um assunto fundamental na vida de muitas pessoas. A rotina diária é interrompida muitas vezes ao longo do ano, pela organização ou a participação em diversas festas, que assinalam a quebra periódica desta rotina. Para os que as organizam, as festas não representam propriamente momentos de lazer, mas de trabalho, intenso e prazeroso, no seu preparo e na sua realização.
A relação estreita entre religião e festas foi apontada por Durkheim, para quem “nos dias de festa, a vida religiosa atinge um grau de excepcional intensidade”. Para ele as festas teriam surgido da necessidade de separar o tempo em dias sagrados e profanos. Referindo-se ao descanso religioso, Durkheim refere que “o carácter distintivo dos dias de festa corresponde, em todas as religiões conhecidas, à pausa no trabalho, suspensão da vida pública e privada à medida que estas não apresentam objectivo religioso”. Durkheim também salienta a importância dos elementos recreativos e estéticos para a religião, comparando-os a representações dramáticas e mostrando que, às vezes, é difícil assinalar com precisão as fronteiras entre rito religioso e divertimento público.
Finalmente, uma pequena alusão às superstições, como parte integrante da vida religiosa popular. Para os crentes, ditos, supersticiosos, não há qualquer diferença entre as suas crenças e a religião, dado que as duas se interelacionam e concordam , pois, nenhum rito supersticioso desmente o rito católico tal como ele é vivido na base, apesar de poder estar em contradição com a ideologia.
Conclusão
Ao longo da realização deste trabalho, fiz uma pesquisa em vários livros e na Internet sobre estes dois aspectos da Religião- a Religião Institucional e a Religião Popular- no caso específico de Portugal, apresentando-se a sociedade portuguesa como iminentemente católica.
Poder-se-á apresentar a Religião Institucional, em Portugal, como uma religião institucionalizada pela Igreja Católica organizada com base em todos os princípios estruturais, morais e ideológicos adjacentes à instituição e necessários para a integração dos indivíduos na instituição católica.
Não obstante, e, primordialmente, nos meios rurais, a religião portuguesa é caracterizada por uma comunidade religiosa fortemente categorizada, e representada ao longo deste trabalho, como “supersticiosa”. Porém, e na minha perspectiva, esta Religião Popular de práticas e rituais específicos e simbólicos não se atribui apenas a uma classe social e culturalmente baixa, mas sobretudo a uma cultura social dominante. Pode até dizer-se que muitos destes praticantes da chamada Religião Popular assumem, muitas vezes, uma posição anticlerical(principalmente por parte dos homens). Contudo, jamais devemos menosprezar ou ridicularizar estas práticas, mas sim respeitar e tentar fazer uma análise sociológica das práticas religiosas, tentando deste modo percepcionar o que move tantos milhares de pessoas para algo, na maioria das vezes, transcendente.
É interessante verificar, após a leitura de “A Religião Popular Portuguesa”, o reconhecimento do prestígio e da legitimidade social das tradições populares, por parte do autor, visto que coloca estas práticas populares, ditas religiosas, em pé de igualdade com a Religião Institucional. Verifica-se aqui que não deve, portanto, definir-se estas práticas e ritos sociais, das tradições populares, como algo disperso, inconsequente ou supersticioso, mas sim tentar entende-las “como um todo com sentido”. O autor, na sua obra, também não hesita em abordar temas como as aparições marianas, evidenciando como estas se inscrevem naturalmente na mentalidade portuguesa, cujo cariz matriarcal subsiste pelo menos ao nível religioso popular, sendo uma presença constante na cultura portuguesa. Aqui, do meu ponto de vista, o que importante não é ver a veracidade das praticas e das crenças, e tão pouco denegrir a fé dos indivíduos, mas sim perceber porque é que para estas pessoas, por exemplo sobre a autenticidade das aparições, estas são, declaradamente, tão reais.
Apesar de ter enunciado estes temas sobre a religião em Portugal de forma separada, até que ponto esta Religião Popular é apenas fruto de uma cultura social e está completamente afastada da Religião Institucional? Do meu ponto de vista, poder-se-á falar em 3 componentes essenciais quando nos referimos a religião, e não nos remetermos apenas para esta dicotomia evidente e corrente, mas que, implicitamente, não é correcta e totalmente convincente: Religião, praticada pelos indivíduos, quer nas práticas religiosas segundo a doutrina, quer nesse conjunto de crenças, superstições e práticas populares; Religião, apregoada pelos padres e institucionalizada pela Igreja; Religião, segundo os textos sagrados (mas, no fundo, os 3 estão inter-relacionados).
Bibliografia
-
Durkheim, Émile, Les formes Élémentaires de la Vie Religieuse, Paris, 1991.
-
Espírito Santo, Moisés, Religião Popular Portuguesa, Lisboa, Assírio e Alvim, 1990.
-
Espírito Santo, Moisés, Comunidade Rural ao Norte do Tejo(1980), seguido 20 anos depois, Estudos Rurais da U.N.L., 2001
-
Espírito Santo, Moisés, Origens do cristianismo português, I.S.E.R. da U.N.L., 2001.
-
Espírito Santo, Moisés, A Religião na Mudança, I.S.E.R. da U.N.L., 2002.
-
Yinger, Milton, Religion, Société, Personne, Paris, Ed. Universitaires, 1964.
- www. Aguaforte.com/ antropologia/ bastide.htm.