Contudo, o SIM nada mais é do que um modelo teórico, ou seja, uma estrutura conceitual universalmente aceita pelas empresas, mas aplicada caso a caso, de diferentes formas. Isso implica em dizer que a utilização do SIM está sujeita a fornecer dados e informação que alimentam o jogo de poder dentro de uma organização, atendendo a interesses de possíveis “feudos” internos e externos à empresa. Quando tais feudos existem, as informações disponibilizadas podem apenas legitimar o status quo, regulando o acesso de mais pessoas no processo de tomada de decisão.
A pesquisa de marketing surge como um sub-sistema do SIM, fornecendo aos executivos de marketing informações para ajudar na solução de problemas específicos e esporádicos durante o processo de administração de marketing. As informações produzidas pelo sistema são predominantemente do tipo ad hoc, ou seja, são produzidas especificamente e dirigidas para ajudar na solução de problemas definidos e únicos. As decisões típicas relacionadas com a pesquisa de marketing são apresentadas a seguir (Mattar, 1997):
1. Informações para Análise do Mercado: macroambiente (diz respeito às condições da economia, legislação, tecnologia, demografia, ecologia, política e cultura) e microambiente (estimativa do potencial de mercado, evolução do mercado, demanda por segmento), comportamento do consumidor (necessidades, desejos e motivações de consumo) e ambiente interno da empresa(recursos e capacitações de marketing, produção, finanças e tecnologia);
2. Informações para Análise do Marketing Mix: mapeamento dos produtos e serviços, preços praticados, formas de distribuição e comunicação presentes no mercado;
3. Informações sobre Medidas de Desempenho: acompanhamento de resultados de vendas, participação de mercado, lucratividade, imagem de marca.
Por tratar de informações predominantemente ad hoc, o sistema de pesquisa de marketing sofre a interferência direta dos tomadores de decisão. Sendo assim, no mundo real da tomada de decisões estratégicas e gerenciais e das políticas empresariais, a pesquisa de marketing tem sido às vezes usada de maneira incorreta. Propósitos explícitos e implícitos permeiam a utilização de metodologias e técnicas específicas de pesquisa para obter dados e informações viesadas. O próprio autor deste artigo já enfrentou diversas situações delicadas em que o principal objetivo do esforço de pesquisa era servir a uma meta pessoal de alguém na organização. Dessa forma, a pesquisa pode ser usada para adiar alguma decisão que já foi tomada. Um propósito relacionado é evitar a responsabilidade (por exemplo, sobre informações a respeito de medidas de desempenho). Quando existem alternativas em competição, o administrador que precisa tomar uma decisão difícil busca a pesquisa como orientação. Isso lhe traz ainda uma vantagem adicional, pois se mais adiante a decisão comprovar-se errada, ele terá alguém a quem transferir a culpa.
Algumas vezes os propósitos implícitos podem levantar questões éticas que colocarão os prestadores de serviços de pesquisa em difíceis dilemas. A pior situação acontece quando existe uma pressão sutil (ou nem tanto) para que os resultados da pesquisa justifiquem uma decisão em particular ou confirmem uma posição legal.
Há alguns anos, um grande estudo de pesquisa de marketing foi realizado para um banco americano com mais de 300 milhões de dólares em depósitos. A finalidade do projeto de pesquisa era orientar a cúpula administrativa no mapeamento de uma direção estratégica para o banco nos cinco anos seguintes. Após a apresentação dos resultados ao presidente, este disse: “Concordo plenamente com suas recomendações. Era isso que eu ia fazer de qualquer jeito. Vou usar seu estudo amanhã, quando for apresentar meu plano estratégico ao conselho”. O pesquisador então perguntou: “E se minhas recomendações tivessem sido contrárias à sua decisão?” O presidente do banco riu e disse: “Eles nunca saberiam que eu tinha realizado um estudo de pesquisa de marketing”. Além do desperdício de dinheiro, a situação evidenciou a questão ética por trás da condução desse estudo de mercado.
A manipulação das pesquisas de marketing pelos tomadores de decisão pode ocorrer com mais freqüência do que se imagina, pois a pesquisa tem uma função descritiva – que inclui a coleta e a apresentação de fatos -, diagnóstica – na qual dados e ações são explicados – e prognóstica – na qual vantagens e desvantagens podem ser mapeadas – que pode interferir na parcela de poder já estabelecida dentro de uma organização. Dessa forma, o poder de decidir sobre como uma pesquisa de marketing será conduzida se torna um dos instrumentos gerenciais para a manutenção dessa parcela de poder, eliminando muitas vezes contribuições valiosas para a organização aperfeiçoar sua eficácia operacional, melhorar seu desempenho no mercado, ou sustentar e modificar uma vantagem competitiva em seus produtos e serviços.
Evidentemente, os níveis hierárquicos que são mais envolvidos pelo processo de pesquisa de marketing, e que interferem no direcionamento de estudos de mercado, são os níveis estratégico e gerencial. Segundo Bertero (2003), “eles podem estruturar o tema da decisão de maneira ajustada a seus próprios fins ou de outros. Eles conduzem a decisão a opções preferenciais, mesmo se estas opções não conduzem a benefícios organizacionais. Informações são manipuladas, guardadas ou ignoradas”. Sendo assim, o nível estratégico, como preposto dos acionistas de uma organização, deseja garantir sua posição privilegiada na tomada de decisão. O nível gerencial, por sua vez, visa ocupar mais espaço dentro da organização, preservando sempre que necessário sua área de influência já sedimentada, vislumbrando sempre uma ascensão dentro da hierarquia organizacional. Já o nível operacional fica sujeito às decisões tomadas pelos níveis superiores na hierarquia organizacional, interferindo muito pouco no processo de decisão baseado em informações de mercado. Contudo, o nível operacional pode influenciar fortemente na implementação das decisões. Segundo Nutt (1986), as implementações táticas da decisão podem estar baseadas na intervenção, na qual os executivos justificam a necessidade de mudança introduzindo novas tarefas, na participação, na qual o envolvimento de diversos setores da empresa é fundamental para a consecução das tarefas, na persuasão, quando as estratégias de implementação são delegadas para níveis hierárquicos inferiores que colaboram na “venda” das idéias dentro da organização, e a ordenação, na qual os tomadores de decisão usam controle e poder pessoal, excluindo qualquer forma de participação.
O processo racional de planejamento e execução de uma pesquisa de marketing pode facilitar aos tomadores de decisão um direcionamento viesado dos esforços de pesquisa. Um processo de pesquisa de marketing compreende quatro diferentes etapas: reconhecimento de um problema, planejamento, execução (coleta de dados, processamento, análise e interpretação) e comunicação dos resultados. Vejamos:
Reconhecimento de um problema – consiste na correta identificação do problema de marketing que se pretenda resolver e que possa efetivamente receber contribuições valiosas da pesquisa de marketing na sua solução. Os tomadores de decisão de marketing podem direcionar a pesquisa para um problema de seu interesse específico, viesando desde o início o levantamento de dados de mercado.
Planejamento – compreende a definição dos objetivos da pesquisa e de toda sua operacionalização: determinação das fontes de dados, escolha do(s) método(s) de pesquisa, da(s) forma(s) de coleta de dados, da construção e teste do(s) instrumento(s) de coleta de dados, da definição do plano de amostragem e do tamanho da amostra, da definição dos procedimentos de campo, da elaboração do plano de processamento e análises, da definição dos recursos necessários (humanos, financeiros, tecnológicos e materiais), da definição de uma estrutura organizacional para a equipe da pesquisa com definição de responsabilidades e do estabelecimento de um cronograma com definição de prazos e datas para o cumprimento de cada etapa. Na fase de planejamento, o tomador de decisão pode interferir em qualquer etapa do processo de planejamento, ajustando-o às suas necessidades específicas.
Execução – Compreende o efetivo trabalho de recolhimento dos dados junto às fontes de dados. É a etapa geralmente mais cara e crítica da pesquisa, pois é a que mais está sujeita à introdução de erros e atrasos. Essa introdução de erros e atrasos pode ser gerada tanto pelo contratante dos serviços de pesquisa (no caso, o tomador de decisão) como pelo contratado (prestadores de serviços de pesquisa que fraudam o trabalho de campo, às vezes de forma deliberada, com a conivência do contratante).
Comunicação dos Resultados: compreende a apresentação escrita e verbal das principais descobertas da pesquisa relacionadas ao problema que lhe deu origem, bem como de sugestões e recomendações de ações pertinentes a sua solução. Nessa etapa final, há a possibilidade de selecionar quais resultados devem ser apresentados, filtrando apenas informações não comprometedoras ou de relevância não-questionável, mas que deslocam as conclusões do problema inicialmente tratado.
A pesquisa de marketing ad hoc envolve um processo esporádico na busca de informações de mercado. Ela é sempre motivada pela necessidade de decisões não-programadas, cujos protocolos não estão plenamente estabelecidos. Por causa disso, as informações coletadas podem estar sujeitas a maiores perturbações do que os chamados processos fluidos ou restritos. A informação gerada por uma pesquisa de marketing ad hoc nunca é igual em qualidade e em forma, estando diretamente vinculada a complexidade e carga política do conteúdo da decisão. A carga política do que está sendo decidido é o que importa, os interesses dos que são afetados pela decisão podem gerar os vieses no processo racional de busca de informações de mercado. Algumas decisões atraem menos atenção e são menos controvertidas (por exemplo, numa pesquisa para lançamento de um novo produto no mercado). Em outras situações, o cenário de uma decisão pode contribuir para a manipulação dos resultados de uma pesquisa de marketing, pois acarretam conseqüências mais sérias (por exemplo, a descontinuidade de uma linha de produtos que irá gerar o fechamento de uma divisão de negócios, ocasionando perdas diversas).
Seria importante destacar também a decisão do modelo “lata de lixo” e a sua provável significância na tomada de decisões atrelada à pesquisa de marketing. Nas organizações, o processo decisório acaba sendo a resultante residual de todos os contextos organizacionais que permeiam e influenciam uma organização. Sendo assim, os decisores têm de lidar com interesses distintos o tempo todo, há na maioria das empresas uma série de critérios, normas e procedimentos que impactam no processo decisório, os objetivos para a tomada de decisão não são claros ou unânimes e as decisões acabam surgindo ao longo da “marcha” dos negócios. Como forma de minimizar as incertezas e confrontar ambigüidades (além da esfera do poder já comentada anteriormente), muitos tomadores de decisão acabam interferindo deliberadamente na condução de projetos de pesquisa de marketing, visando manter o controle da situação e eliminar possíveis problemas diretivos. Entretanto, atitudes assim fazem com que os principais componentes das decisões – problemas, soluções, participantes e situações de escolha – sejam colocados na “garbage-can” de uma organização, tornando-se uma corrente de demandas expostas à fluida atenção, energia e interesses dos tomadores de decisão.
Decisões podem variar em conteúdo (no caso, o interesse está na tomada de decisão de marketing) e em processo (no caso, fazendo uso da pesquisa de marketing), podendo variar também em importância (para os tomadores de decisão de marketing, a pesquisa pode subsidiar decisões de cunho operacional, gerencial ou estratégico). Aqui se lançou algumas idéias sobre como o processo de pesquisa de marketing pode estar impregnado das questões que versam a respeito do estudo do processo decisório nas organizações. O que está em jogo nessa iniciativa de análise é verificar se realmente a pesquisa de marketing é uma ferramenta que agrega valor ao negócio, adotando um processo racional de investigação de mercado, ou apenas contribui para fortalecer posições dentro de uma organização, manter o status quo, garantir a sustentação do poder para alguns, atender interesses pessoais e restritos à margem da organização, viesando a real contribuição da pesquisa de marketing como ferramenta de auxílio para a tomada de decisões, como ferramenta de análise e interpretação da realidade.
Este breve artigo não teve a pretensão de responder tal questionamento, apenas lançar para análise e debate tal perspectiva. Essa questão talvez permaneça em aberto por muito tempo. Mesmo assim, pesquisas empíricas a respeito desse assunto seriam de grande valia para os profissionais e tomadores de decisão de marketing que fazem (ou ainda farão) bom uso da pesquisa de marketing.
Bibliografia
AAKER, David, e outros. Pesquisa de Marketing. São Paulo: Atlas, 2001
BACHRACH, P. and BARATZ, M.S. .The Two Faces of Power. American Political Science Review, 56:947-52 (1962)
BERTERO, Carlos O. A Tomada de Decisão nas Organizações. In Handbook de Estudos Organizacionais. Volume 3. São Paulo: Atlas
KWASNICKA, Eunice L. Introdução à Administração. São Paulo: Atlas, 1977
MATTAR, Fauze Nagib. Pesquisa de Marketing. São Paulo: Atlas, 2000
NUTT, Paul C. Tatics of Implementation. Academy of Management Journal, 29(2):230-61 (1986)
SIMON, Herbert. The New Science of Management Decision. Prentice Hall College Div; Revised edition: June 1977
QUESTÕES PARA DISCUSSÃO
- Faça uma resenha sobre o artigo lido.
- De que forma a pesquisa de marketing pode penetrar nas questões que dizem respeito ao estudo do processo decisório nas organizações?
_____________________________________________________________________________________________________
Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – Pesquisa I – 4º semestre – Noite
Profa. Patricia Menda – [email protected]