“-Professor não vai embora! É muito porreiro para os meninos!”
Constava que o Professor iria para o Rio de Janeiro, a fim de seguir a sua vocação de pintor. E Dora pensou para si:
-É tudo culpa minha. Se eu não tivesse morrido, Professor não iria embora.
A água da bacia voltara a ficar limpa e pura, tão transparente que podia ver-se o fundo de pedra. Dora sentia-se culpada e frustrada porque desejava poder voltar para o lado do Professor para o animar e para o convencer a ficar com o resto dos meninos. Dora tentou andar para além da bacia, onde não havia nada, mas acabava sempre no mesmo sítio.
-Porque é que me estão a mostrar isto? Porque é que me fazem...
Antes de poder acabar, ela viu que a água na bacia estava novamente a agitar-se ficando como que em estado leitoso e revelava-lhe o futuro do Professor, ele ficaria muito famoso como pintor, cuja arte consistia, na sua maioria, de meninos de rua, pobres e ignorados pela sociedade.
-Estou vendo...Ele saiu-se muito bem, mas não estou percebendo porque é que me mostram isto.
Todos os sentimentos de angústia e culpa que Dora sentia se dissiparam e foram substituídos pela curiosidade e pela ânsia de saber porque é que estava ali. Ao mesmo tempo ela ainda se preocupava com o resto dos seus amigos, os Capitães da Areia, como o Pirulito e o Pedro Bala, porque ela também os deixara sozinhos.
-Me mostrem o que vai acontecer ao resto do pessoal...
Quando a água ficou novamente turva, as imagens dos amigos passaram diante dos seus olhos como num filme e Dora pôde ver a conclusão das suas aventuras, da sua adolescência. Viu como o Pirulito foi para frade, como o Sem-Pernas se suicidou, morrendo com dignidade para não ser novamente preso e humilhado, como o Gato foi apanhado numa das suas vigarices, como o Boa Vida se tornou num filho da Baía, a viver dela, como o Volta Seca se encontrou com o seu padrinho, Lampião, e como depois foi condenado à prisão. Quando Dora viu isto ela pensou para si:
- Conseguiu o que queria mas.....não seria melhor se não tivesse conseguido?
Cada vez que Dora via como a adolescência de cada um dos seus amigos tinha acabado, sentia-se aliviada e mais tranquila. Mas mesmo assim estava confusa, a que propósito estaria ela ali? Porque é que ela, já depois de morta, ainda não estava a descansar, o que é que lhe estava a faltar?
-O Pedro… Deixem-me ver o meu Pedro!
A bacia acedeu ao seu desejo, ela viu Pedro entre uma multidão de pessoas a fazer o que sempre quisera: ser um revolucionário. Ele estava entre os seus companheiros a lutar pela igualdade e pela liberdade. Mesmo tendo visto Pedro feliz, ela não queria abandoná-lo. Ela virou as costas, a tentar encontrar alguém e gritou:
-Porque é que ainda estou aqui?
Quando voltou para a bacia, esta tinha desaparecido. Confusa pelo que acabara de acontecer, esqueceu a bacia e disse para si;
-Quero voltar para casa, era tão bom quando estava com os meninos....
Mas de cada vez que ela pensava em voltar pior se sentia, porque sabia que esse desejo não poderia realizar-se. De repente, ela ouviu uma voz, um sussurro ao ouvido:
-Eles estão bem, não tens de te preocupar com eles, deixa-os ir, liberta a tua mente.
Nesse momento exacto Dora lembrou-se de todos os momentos que passara com os Capitães e decidiu que a voz tinha razão. Eles iriam ficar bem sem que ela tomasse conta deles. Logo uma luz intensa a envolveu e Dora sentiu-se em sossego total e livre das preocupações que a tinham prendido até então. Podia descansar, finalmente!