« o Pedrinho no entanto estava quase um homem. Ficara pequenino e nervoso como Maria Eduarda, tendo pouco da raça, da força dos Maias; a sua linda face oval de um trigueiro cálido, dois olhos maravilhosos e irresistíveis prontos a humedecer, sem curiosidades, indiferente a brinquedos, a animais, a flores, a livros. Nenhum desejo forte parecera jamais vibrar naquela alma meio adormecida e passiva: só as vezes dizia que gostaria muito de voltar para a Itália. Fora educado dentro de uma educação tipicamente portuguesa oitocentista e conservadora. Tomara birra ao padre Vasques, mas não ousava desobedecer-lhe. Era em tudo um fraco; e esse abatimento contínuo de todo o seu ser resolvia-se a espaços em crises de melancolia negra, que o traziam dias e dias mudo, murcho, amarelo, e com as olheiras fundas e já velho. O seu único sentimento vivo, intenso até ai, fora a paixão pela mãe…». 2
A caracterização naturalista da personagem passa pelo factor hereditário já que este herdou da mãe o nervosismo, as crises de melancolia e o vínculo deste ao ramo familiar dos Runas e não dos Maias. A sua educação não foi dinâmica, algo que o tivesse preparado para a vida e para a resolução dos problemas que se lhe deparassem « desenvolver-se lentamente sem curiosidade, indiferente a brinquedos, a animais, a flores, a livros…» .3
Em relação ao meio onde foi criado, as características são as de um romântico torpe, onde se ressalva a religiosidade vaga já que sua mãe também não revela coerência religiosa. Também não houve a preocupação para os verdadeiros valores da vida ou seja há uma falta notória de princípios morais sólidos e Pedro vive num ambiente de superficialidade onde nada foi aprofundado.
Educado desta forma, o seu casamento com Maria Monforte também falhará visto que este amor à primeira vista e o vislumbramento cego e fatal, trar-lhe-á um desgosto ao que sucumbirá tragicamente, outra forma de fugir à realidade.
Já Carlos da Maia teve uma educação bastante diferente da de Pedro. Vendo o triste fracasso do seu filho, Afonso enerverda por uma educação completamente diferente, que lhe oferecesse garantias acrescidas de êxito. Afonso sempre acreditara que a educação tipicamente inglesa era superior à tradicional pois já quisera educar anteriormente Pedro dentro desse sistema, mas sua mulher opôs-se fortemente. Tendo assim a sua oportunidade, Afonso proporciona a Carlos uma educação britânica, feita de disciplina e actividade física, sob a orientação de um preceptor inglês chamado Brown. Carlos, em criança era forçado a acordar muito cedo de manhã, tomar banhos de água fria e em vez de aprender a parte teórica do ensino, foi ensinado a prática.
Carlos cresce e torna-se adulto :«Era decerto um formoso e magnífico moço, alto bem feito, de ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis dos cabelos pretos, e os olhos dos Maias, aqueles irresistíveis olhos do pai (…) Trazia a barba muito fina e curta(…) - o que lhe dava, com um bonito bigode arqueado aos cantos da boca, uma fisionomia de belo cavaleiro da Renascença».4
Portanto o cavaleiro da Renascença, este homem superior pela educação cultura e elegância, inteligência e riqueza, falha na vida, em parte devido à pequenez do meio e à futilidade que oprime os “seres superiores” e, em parte, também devido à hereditariedade: herda do pai a fraqueza, o comodismo e uma certa covardia em enfrentar novos desafios, e da mãe possivelmente, a futilidade, o egoísmo e o espírito boémio. A educação inglesa, certos factores hereditários, e sobretudo, os efeitos duma sociedade apodrecida fizeram de Carlos um diletante narcisista, um fraco e um falhado. Carlos não falhou sob a disciplina escolar; só falhou quando se viu entregue a si mesmo.
A influência negativa deste tipo de educação religiosa e tradicionalista , como são os casos de Pedro e Amaro, são aparentemente muito crentes mas incoerentes, pois não possuem uma formação religiosa segura. Assim tudo se torna difuso e vago. Pedro da Maia é fruto deste tipo de educação um pouco desmedida. Esta personagem herda assim o comportamento da mãe na forma como o educou, a sua influência no meio onde vive leva-o a actuar de forma exagerada os seus sentimentos, quando conhece Maria Monforte.
Em o Crime do padre Amaro, Eça recorre à analepse para descrever a infância e adolescência de Amaro, o personagem central.
Amaro Vieira, era filho de um criado e de uma criada da marquesa de Alegros. O pai morrera de apoplexia, sendo o filho ainda criança de berço e a mãe finara-se com tuberculose na laringe, quando Amaro tinha apenas seis anos. Havia ainda uma irmã, mas essa estava em Coimbra, em casa da avó. A mãe “ era uma mulher forte, de sobrancelhas cerradas, a boca larga e sensualmente fendida e uma cor ardente.”5 Vendo- se orfão, Amaro é assim criado pela Marquesa de Alegros. A criança criou-se entre as saias das criadas :”em contacto com os corpos, em gritinhos de contentamento” 6 .Dormia com a lamparina no quarto, ao pé da ama velha pois era muito medroso. Esta pintura do meio reveste-se duma extrema importância para se compreender o seu feitio mulheril e libidinoso. Desde muito cedo se dedicava a capela e à Marquesa. Esta, sendo beata, impõe-lhe uma educação tradicional portuguesa de cariz religiosa. A religião e a caridade eram então ocupações avidamente aproveitadas. A Marquesa decidira que Amaro seria padre, e ao morrer deixou-lhe um legado para que ele pudesse frequentar o seminário. Amaro estava destinado a ser padre, e ele nada podia fazer para alterar o rumo do seu futuro.
Em pequeno era um miúdo triste, que nunca brincara, e nunca levantara a voz. As criadas da Marquesa, em muito contribuíram para a deturpação da sua personalidade. Elas beijocavam-no, faziam-lhe cócegas, e como era bonito, por vezes vestiam-no de mulher. O seu encanto era estar aninhado ao pé das mulheres. O desejo carnal desenvolver-se-ia pela vida fora, ao reparar nas mulheres que via passar nas ruas, tentava adivinhar-lhes os contornos físicos. No entanto, este comportamento era limitado já que a disciplina rígida do seminário sufocava-o e é só mais tarde que a sua sensualidade desabrochará plenamente fazendo dele um mau padre.
Já em Leiria , num meio de beatice e do clero, Amaro não conseguiria mais do que continuar a infância e adolescência fracassadas.
Amaro é egoísta, arrebatado, esperto, despótico e violento. É totalmente dominado pela sensualidade. Utilizando todas as manhas clericais, ele consegue insinuar-se junto de Amélia que amá-lo carnalmente é quase um mandato divino. Falta-lhe pois dignidade e consciência moral. Para Amaro , o amor não é pecado é até um dom divino. Por vezes, ele debate-se entre o sentimento religioso e a embriaguez da carne e é aqui que reside o caracter consciente da sua paixão. Ele não tem medo de pecar mas muito simplesmente de ser descoberto e denunciado. Só o escândalo o preocupa. Mais uma vez temos um Amaro frio, calculista, egoísta e covarde, ou seja, um personagem corrupto moralmente.
Podemos ver que Eça coloca na balança o tema social que é o celibato dos padres. Esta condenação está manifesta em Amaro, personagem sempre revoltado contra a sua situação eclesiástica e impossibilitado de casar, como ele já o havia dito « tinham-no impelido para o sacerdócio como um boi para o curral».7 Partindo deste princípio, podemos compreender e explicar o seu comportamento, as suas atitudes e o meio onde vive e viveu para moldar a sua personalidade.
A sua educação e a sua conduta são reflexos da sua vivência infantil e adolescente.
Amaro e Pedro são personagens que vivem a sua emotividade e a sua sensualidade ao rubro. São idênticos quanto ao tipo de educação que tiveram: uma educação tradicionalmente portuguesa com base religiosa. Ambos são vitimas duma educação tipicamente portuguesa, duma sociedade romântica, que os conduz a um modo de vida inteiramente dedicada ao conforto do coração, ignorando a razão. Estas personagens serão confrontadas com Carlos, e as sua distinta personalidade, e para melhor comparar, nada melhor que uma análise contrastiva entre estes personagens.
A relação entre Carlos e Pedro, além do parentesco familiar, é que ambos não souberam lidar com os seus sentimentos. Fruto de educações bastante diferentes, e opostas, ambos envolveram-se lentamente num processo de degradação sentimental. Carlos, que fora educado a usar a razão como instrumento indispensável para a sua formação e para a sua vida, nunca soube lidar com os sentimentos. Pedro, por outro lado, sempre viveu em função das suas emoções, pondo de parte a razão.
Encontra-se em foco, a grande diferença entre os sentimentos e a razão. Carlos, que sempre utilizou a razão e menosprezou os sentimentos, ignorando-os, quando começou a sentir algo mais forte e diferente do que estava habituado, como não sabia lidar com essas emoções novas e raras, confundiu-se e desorganizou-se. Quando estes lhe surgem a flor da pele, perplexo e desorientado, deixa-se levar pelo coração, esquecendo-se de tudo o que tinha aprendido.
Por sua vez, Pedro, nunca habituado ao uso da razão e que sempre salientou a importância dos seus sentimento na vida, sendo estes que regiam o seu modo de viver, quando Maria Monforte desaparece, destroçado, cai numa triste e profunda melancolia. Desvairado, entrou em pânico, pois não conseguia viver sem a sua amada. É aqui que se evidencia a falta de coragem e a fraqueza de Pedro.
Assim sendo, também Amaro, consciente dos seus actos, usa Amélia, como fuga ao seu desespero e revolta da obrigação de ser padre. No entanto, nunca pensou deixar de ser padre pois perderia todos os seus benefícios. Foi apenas para seu bem-estar, que se aproximou de Amélia, desenvolvendo assim tem caso amoroso. Podemos encarar Amaro como um covarde e egoísta nas suas atitudes. Revoltado com o sacerdócio, nada o impede de usar certos privilégios que o beneficiem e lhe tragam conforto. Podia pois, renunciar ao sacerdócio, mas implicava a perda de tudo o que podia usufruir para a sua comodidade. Preferiu então deixar-se estar com Amélia e com tudo a que tinha direito um padre honesto. Lucrava, pois de ambas as partes.
Quando Amaro é defrontado diante os outros padres, em que alguns confessam os seus diversos casos amorosos, ele não se mostra honesto e encobre a verdade. Diz que nunca terá um caso enquanto for padre. Tal indica que é incapaz de se assumir como culpado, mesmo perante os culpados, e mostrar um lado de verdadeiro e sincero. Pura hipocrisia!!!
Quanto às personagens femininas, Maria Eduarda surge, na obra d’os Maias quando Carlos acompanhado de Craft, entrava no Hotel Central, para o grande jantar que iria reunir várias personagens, “(…)ofereceu a mão a uma senhora alta, loira, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar. Trazia um cassaco colante de veludo branco de Génova, e um momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz das suas botinas.”8
Ânimo forte, leal, extremamente sensível, amante de tudo o que é fraco como o avô e amante em todas as situações trágicas, acarreta dentro de si uma grande dignidade.
Considere-se, antes de mais, que o teor da confissão de Maria Eduarda quando revela a Carlos o seu passado atribulado, prende-se fundamentalmente a dois grandes vectores: por um lado a referência a uma juventude desordenada e passada em ambientes algo duvidosos; e por outro lado, à explícita responsabilização desses ambientes e da companhia da mãe para explicar a sua vida dispersiva e vivida ao sabor de amizades de circunstância. Por aqui se pode ver facilmente que se encontram ainda vigentes, com certo vigor determinadas preocupações da estética naturalista: a acentuação da juventude da personagem como época fulcral da constituição da sua personalidade, a influência perniciosa do meio, e a impossibilidade da personagem resistir aos factores materiais que a transcendem.
Quanto à personagem do Crime do Padre Amaro, Amélia, completamente dominada pela beatice, define-se mesmo como personagem vitimada pela perniciosa influência de uma atmosfera excessiva, carregada de uma falsa concepção de piedade cristã. Vemos logo no início, Amélia ao piano, tocando romanticamente para acompanhar o não menos romântico Arturinho, relembrando assim as poesias ultra-românticas.
Era uma menina de vinte e três anos, forte, alta, bem feita, e de colo adorável. Recorrendo à analepse, o narrador informa-nos da sua infância e adolescência, que irão influenciar o seu comportamento no futuro. Ela veste bem e é um pouco picante nas suas atitudes. Os olhos “muito negros” eram o enlevo de Amaro, que não parava de a observar durante as reuniões.
Desde muito criança convivera com beatas e com padres que lhe frequentavam a casa. Tivera um irmaozinho, João, que morrera cedo, e nunca chegou a conhecer o seu pai. Aos oito anos, começara a aprender costura, ouvindo muitas e variadas histórias religiosas. Sonhava “ser uma freirinha muito bonita e com um veuzinho muito branco”9. À noite, havia os célebres serões, os convivas sempre os mesmos, quase todos padres. Este ambiente tão beato, como seria depois o da Rua da Misericórdia, deveria exercer sobre a adolescente a sua influência nefasta: ela era supersticiosa e considerava a religião um problema muito profundo e terrível. Suponha ela que Deus só dava o sofrimento e a morte ” quando à noite se esquecia de alguma salve-rainha, penitenciava-se no dia seguinte.”10
Tinha o sangue vivo de paixões. Teve o seu primeiro desgosto de amor com um tal de Agostinho. Fora um golpe muito duro e novo para ela, mas o tempo curou tudo. Algum tempo depois iniciou namoro com o João Eduardo, sem grande entusiasmo da parte dela. Pensava que nunca seria capaz de amar alguém.
Até que surge o padre Amaro. Amou-o desde a primeira vez que o viu. Admirava-lhe o perfil, a batina sempre muito limpa, o aspecto simpático e os olhos que pareciam dizer galanteios e que a deixavam perturbada. A sua mera presença encantava-a. Sentia-se feliz por tê-lo com tanta facilidade e com tanta intimidade. Começou a ser cortejada, muito discretamente, como convinha, e lentamente foi-se tornando mais atrevida.
Era uma paixão que a consumia e a inquietava. Embora tentasse disfarçar, à noite pedia a Nossa Senhora das Dores que fizesse com que ele a amasse. Perdera por completo o seu equilíbrio psicológico, deixando-se manobrar, incapaz de reagir e de olhar de frente essa crise sentimental. Já não podia viver sem a presença de Amaro, obedecendo-lhe cegamente. De pecado em pecado, deixava-se embalar nessa paixão que lhe tomava o corpo e a alma. Já não sabia viver sem os seus beijos quentes, os abraços às escondidas e as relações sexuais. Era sempre uma alegria quando ia encontrar-se com Amaro no casebre do tio Esguelhas e ela fazia esquecer de todos os seus sustos e medos. Entregava-se loucamente. No entanto, quando pressentiu estar grávida pensou no escândalo que isso significaria.
No fundo, Amélia é a rapariguinha ignorante, beata, supersticiosa e vazia sem uma meta definida a atingir.
Precisava de sair de Leiria, e foi Amaro com a sua imaginação fértil que a mandou para Ricoça como enfermeira de D.Josefa. Sem escrúpulos, Amaro desejara que a criança nascesse morta. O momento do parto chegou, finalmente. A maternidade dera-lhe uma finalidade. Como mãe, dedicara-se inteiramente a esse ser pequenino que era o “seu filho”, nascido do amor. O Carlinhos, a sua alegria!. A morte veio por fim acabar com o seu terrível sofrimento e nem sequer chegou a conhecer o seu filho. A sua morte é assim o castigo e solução para a diegese. O leitor não é atraído por Amélia pela sua aparência física nem pela sua juventude, mas sim pela sua estupidez em ter-se deixado cair nas mãos de Amaro. Fútil e histérica, vivia só de aparências e de sonhos da sua imaginação doentia.
Eça aponta bem as razões que atiraram Amélia para os braços de Amaro.
A sua paixão por Amaro é o resultado das suas frustrações enquanto mulher pois pensa que já não consegue casar: « Ai! A mim ninguém me quer!» 11. A irremediável necessidade de casar impunha-se-lhe. Por outro lado, o ambiente de beatice que sempre a rodeou faz dela uma personagem fútil, sem objectivos concretos para a vida.
A própria vida que sua mãe leva, num ambiente de padres, faz de Amélia o reflexo de S. Joaneira, mulher beata e muito temente a Deus.
Uma referência à caracterização das personagens n’Os Maias e no Crime do Padre Amaro que não passasse pela problemática da educação, seria forçosamente uma lacuna. Em primeiro lugar porque se trata fundamentalmente da existência da personagem. Sobretudo quando nos situamos no contexto da estética naturalista. Em segundo lugar, porque o tema da educação possui, em ambas as obras analisadas, uma representividade considéravel em que as personagens têm um lugar de destaque.
Para devidamente nos apercebermos das limitações que enfermavam certos juízos, é preciso ter em conta o modo como em ambas as obras são confrontados dois sistemas educativos.
Voltamos assim ao processo de caracterização de Pedro, Carlos e Amaro.
Com o magistério a que o Padre Vasques submete Pedro, e o mesmo a que Amaro também é submetido no seminário, assistimos ao desenvolvimento de uma educação portuguesa, oitocentista e conservadora: o primado da cartilha e com ela uma concepção essencialmente punitiva da devoção religiosa; o latim como prática pedagógica fossilizada e não criativa; e sobretudo a fuga ao contacto directo com a natureza e com as realidades práticas da vida. Tudo isto ganha uma importância particular, quando reconhecemos em Pedro e Amaro, ambos adultos, os reflexos desta educação: a devoção histérica e a incapacidade para encarar e resolver as contrariedades com que se defrontam.
Carlos, porém, é submetido a educação diferente: privilégio da vida ao ar livre, contacto com a natureza, exercício físico, aprendizagem das línguas vivas, desprezo pela cartilha e por todo o conhecimento exclusivamente teórico.
Confrontando os dois tipos de personagens presentes nas obras (um sendo Carlos da Maia, representante do realismo e da educação inteiramente britânica, e o outro Pedro da Maia e o Padre Amaro, personificação do romantismo\realismo, e da educação puramente portuguesa) deparamos que os personagens não são completos e unos. Falta-lhes algo que os ajude a prosperar na vida. Fazendo uma análise cuidada aos diferentes métodos educativos impostos a cada um dos personagens, concluímos que são necessários dois factores para compor devidamente um homem. Estes dois factores são o uso em simultâneo da razão (logos) e dos sentimentos.
Aplicando esta conclusão aos personagens estudados, verificamos que Carlos apenas beneficiou do uso da razão, obliterando os sentimentos. Mas quando estes começaram a aflorar, ficou descontrolado. E ao tentar encontrar racionalidade no que sentia, fracassou. Comete incesto inconscientemente, que não o desculpabiliza, mas a partir do momento que sabe a verdadeira identidade de Maria Eduarda e prossegue com o seu caso amoroso, é inteiramente responsável e culpado quer moral quer eticamente. É precisamente quando Carlos decide continuar a ver Maria Eduarda que recaí o grande peso do seu fracasso.
Carlos aspirou tornar-se um bom médico nas em vez disso tornou-se um diletante e um dandy , entretendo-se com os pequenos prazeres da alta sociedade lisboeta, pondo de parte tudo o que sonhou ser. Preferiu entregar-se, ou deixar-se levar pelas comodidades da vida aristocrática . Isto demonstra uma falta de vontade e de ambição, ou até mesmo coragem, para concretizar o que sempre sonhara. E é essa falta de coragem, e essa preferência pelos bens materiais e individuais que o tranformaram no ser egoísta e racional que conhecemos da obra. É um personagem que ética e moralmente ultrapassou os limites, ao prosseguir o seu envolvimento amoroso com Maria Eduarda.
Pedro e Amaro, desligados da razão, vivem de acordo com os seus sentimentos e o seu bem-estar ( isto no caso de Amaro). Pedro demonstrou ser um fraco, incapaz de enfrentar a realidade, daí para o suicídio. Amaro demonstrou ser um homem egoísta, também incapaz, não de enfrentar a realidade, mas sim de a assumir perante si próprio e perante os outros. Ambos são personagens fracassados devido à sua falta de forças interiores. Deixaram-se acomodar pelas situações que lhes deparavam, e não tentaram alterá-las. Ignoravam a moralidade dos seus actos, nomeadamente Amaro, e não tentaram viver de acordo com o ético e moral presente no ser humano.
São necessários os sentimentos e a razão para a formação de um indivíduo. Se retirarmos um só destes elementos, não tendo importância qual, o efeito que se obtém é algo semelhante ao dos personagens. É importante a difusão de ambos elementos na educação de um indivíduo, pois irá contribuirá para a sua formação pessoal, seja ele o seu sucesso ou fracasso na vida.
Citações
1.Eça de Queiroz, Os Maias, pág.14
2. op.cit.ibid., pág 20\21
3. op.cit.idem,ibid.,pág.20\21
4.op.cit.ibid.,pág.96
5.Eça de Queiroz, O crime do Padre Amaro, pág.24
6.op.cit.ibid.,pág.29
7.op.cit.ibid.,pág32
8.Eça de Queiroz, Os Maias, idem;ibid.,pág.14
9.Eça de Queiroz, O Crime do Padre Amaro,pág.58
10.op.cit.ibid.,pág.59
11.op.cit.ibid.,pág.75
Bibliografia
1.Reis, Carlos; Introdução à leitura d’Os Maias, Coimbra,
Livraria Almedina, 6ª Edição.
2.Cabral, Avelino Soares; O Realismo: Eça e “Os Maias”,
Edições Sebenta.
3.Sacramento, Mário; Eça de Queiroz: Uma Estética da Ironia,
Coimbra Editora, 1945.
4.Saraiva, A.J.; As ideias de Eça de Queiroz,
Livraria Bertand, 1982. 5.Vidal, Frederico; Eça de Queiroz e os enigmas em Os Maias,
Seara Nova, 1995
6.Queiroz, Eça de (?): Os Maias, episódios da vida Romântica,
Livros do Brasil, Lisboa.
7.Queiroz, Eça de (?): O Crime do Padre Amaro, cenas da vida devota,
Livros do Brasil, Lisboa.
8.Fonseca, Maria Amélia Ortiz da; Eça de Queiroz: o crime do Padre Amaro,
Publicações Europa-América, 1994.