O extracto utilizado é o seguinte:
“Descendo ao particular, direi agora, peixes, o que tenho contra alguns de vós. E começando aqui pela nossa costa, no mesmo dia em que cheguei a ela, ouvindo os roncadores e vendo o seu tamanho, tanto me moveram o riso como a ira. É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?! Se com uma linha de coser e um alfinete torcido, vos pode pescar um aleijado, porque haveis de roncar tanto? Mas por isso mesmo roncais. Dizei-me: o espadarte porque não ronca? Porque, ordinariamente, quem tem pouca espada, tem pouca língua. Isto não é regra geral; mas é regra que Deus não quer roncadores, e que tem particular cuidado de abater e humilhar aos que muito roncam.”
Este extracto localiza-se no capítulo V da obra, no qual, o Padre António Vieira faz as repreensões, isto é, critica o que de mal têm certos peixes.
Análise do extracto:
O “Sermão de Santo António aos Peixes”, é um discurso longo, e tinha como finalidade, ser pregado. O autor, vê-se portanto obrigado a utilizar um conjunto de artifícios, para manter o auditório atento durante muito tempo. Estes artifícios vão desde variações de intensidade e inflexão da voz enquanto se prega, até ao uso de recursos estilísticos. No extracto apresentado o recurso de estilo mais notado é, sem dúvida, a ironia, quando o Padre António Vieira afirma: “Se com uma linha de coser e um alfinete torcido, vos pode pescar uma aleijado, porque haveis de roncar tanto?”
O sermão foi escrito numa época onde o Conceptismo se fazia ouvir mais alto, tendo-se abandonado o Cultismo, com base no qual se tinha uma tendência para exagerar na criação da estrutura interna, muitas vezes sem se dizer nada de importante. O Conceptismo presente nesta obra faz uso de comparações ousadas, metáforas, quiasmos, hipérboles, ironias, antíteses e anáforas, para atrair a atenção e o interesse do auditório.
Neste extracto, o Padre António Vieira critica os roncadores, peixes que parecem grunhir como porcos, porque estes são uns peixes tão pequenos e que mesmo assim fazem muito barulho. O autor tenta perceber qual a razão de tanto grunhido uma vez que, até um simples aleijado, da forma mais rudimentar, os consegue pescar. E foi desta forma e por esta razão que a ironia foi usada.
Faz também referência a Deus dizendo que Este terá especial atenção com aqueles que roncam, isto é, abatê-los e humilhá-los. Sendo que, Padre António Vieira estudou num seminário, é compreensível que ponha as suas ideias religiosas em primeiro plano, e de acordo com o que a Igreja achava correcto, mas nem sempre assim era.
Padre António Vieira acha que nem mesmo a baleia, que sendo um animal tão grande, tem o direito a roncar tanto; pois todos os Homens “grandes” na Terra sofreram graves consequências devido aos seus roncos, ou seja, a sua arrogância. Aconselha ainda, aos roncadores que se calem e que imitem Santo António, pois este era bom, honesto e humilde.
O autor critica o facto de os roncadores incharem com o saber e com o poder, muitas vezes sem o terem. Medi-vos, isto é, olhai para vós mesmos e vereis que não têm razão.
Comparação do extracto com uma situação actual:
Podemos facilmente comparar o extracto com inúmeras situações actuais. Todas essas se encaixam num mesmo tipo de pessoa: arrogante e soberba; ou então aqueles a quem nós chamamos em linguagem corrente de “chico-espertos”.
Como melhor exemplo, temos o recém formado, seja ele um engenheiro, professor, ou qualquer outro que, quando arranja emprego na área em que esteve a estudar, julga-se o melhor e mostra-se com demasiada presunção. Não duram muito, não; são logo “enterrados” se pode dizer. Por isso afirmamos constantemente que a humildade nunca fez mal a ninguém. O recém formado chega ao trabalho, julga que sabe o que quer fazer, mas quando se aproxima a hora de mostrar o que sabe, bloqueia e não reage. Para além disso, ainda é gozado pelos colegas com mais experiência e talvez, quem sabe, com menor nível académico. Se se aproximasse dos colegas e perguntasse humildemente como realizar uma certa função, seria bem recebido e ganharia prática mais facilmente.
A crítica aos roncadores, alerta-nos que, aqueles que mais roncam, são os que mais facilmente se escondem e que são capazes de pôr as culpas nos outros; é também nos momentos de crise que descobrimos quem são os nossos verdadeiros amigos.
Bibliografia:
- Fonseca Guerra, J. A., Silva Vieira, J. A., Aula Viva – Português B – 11º Ano, pp. 61, Porto Editora, Porto, Portugal, 2000.
- Microsoft Encarta Enciclopédia 2001, Microsoft.
- Diciopédia 99, Porto Editora.