Passa por Leiria, como Administrador do Concelho, durante seis meses. Observa a vida social provinciana que lhe dá matéria para o primeiro romance realista português, “O Crime do Padre Amaro”, que surge cinco anos mais tarde, em 1875.
“Associando uma profunda vocação de escritor a um temperamento crítico excepcional, Eça acreditava que a sua arte de grande observador, inspirada por um ideal superior de justiça e de consciência social, podia contribuir para arrancar Portugal do atraso endémico em que se encontrava e para a reforma dos costumes e das mentalidades. O seu humor era feito de riso, "o riso que peleja ", como escreveu na advertência de Uma Campanha Alegre.”
A. Campos Matos
As Farpas, saíram no mesmo ano da realização das Conferências Democráticas do Casino, cujo mentor foi Antero de Quental. Com ele estão, para além de Eça de Queirós, Jaime Batalha Reis, Adolfo Coelho, Salomão Saraga, entre outros. O objectivo deste colóquio é a ligação de Portugal ao movimento moderno da Europa, através do debate das novas ideias sociais, políticas e culturais. As conferências realizam-se no Casino de Lisboa quando em Paris se dão os acontecimentos sangrentos da Comuna. A Eça cabe comentar «A afirmação do Realismo como nova expressão da arte». Eça definirá então a escola realista como «a negação da arte pela arte». Temas como o socialismo, a religião e o ensino alertam o governo, que acaba por proibir a sua continuação. Um texto de Antero de Quental, de enorme importância ideológica, Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos, resulta deste acontecimento. Antero atribui a nossa decadência à instituição católica, ao absolutismo e às conquistas ultramarinas.
Tendo concorrido para a diplomacia, fez um pequeno estágio de funcionário público na Cidade do Liz. Aí arquitectou O Crime do Padre Amaro. Em 1873, é colocado no consulado português de Havana, em Cuba.
Defende aí os direitos civis dos escravizados emigrantes chineses, que partiam de Macau, os coolies, explorados pelos colonos das canas de açúcar. No final do consulado e depois de uma viagem de cinco meses pelos Estados Unidos e Canadá, o Diário de Notícias publica o seu primeiro conto, “Singularidades de uma rapariga loura”, já produto de uma visão realista original e de uma maturidade de escrita que anunciam um grande prosador.
Dois anos mais tarde, foi transferido para Inglaterra e lá começou a escrever O Primo Basílio e a pensar n’ Os Maias, n’ O Mandarim, n’ A Relíquia. De Newcastle e de Bristol, onde residiu, ia mandando correspondência vária para jornais de Portugal e Brasil.
Em 1876 é publicado O Crime do Padre Amaro, Seguir-se-á O Primo Basílio (1878), romance cujo tema é o adultério de uma burguesa da baixa de Lisboa, que serve de cenário a toda a acção. Será a sua obra de maior sucesso editorial, em Portugal e no Brasil, com duas edições no mesmo ano de publicação.
O período de Newcastle é o mais produtivo da sua carreira, com o ambicioso projecto das Cenas da Vida Portuguesa, um conjunto de doze romances, que Eça imaginava conseguir produzir à razão de um em cada dois meses, e onde faria o levantamento crítico da sociedade portuguesa. Desse projecto fazem parte obras como A Capital!, Os Maias, O Desastre da Rua das Flores, etc.
Em 1886, casou com uma senhora fidalga, irmã do conde de Resende, D. Maria Emília de Castro.
Colocado em Bristol (Abril 1879-1888), produz uma novela, O Mandarim, onde, sem abdicar do realismo, dá largas às suas faculdades de fantasista.
A Relíquia, um romance que alguns autores consideram a obra mais original e mais pessoal de Eça, surge em 1887. Nesta obra faz-se uma impiedosa sátira à beatice católica, à cupidez do dinheiro, e à hipocrisia.
Seguir-se-á o seu romance mais ambicioso, Os Maias (1888), onde Eça mostra toda a sua experiência acumulada de ficcionista. Este é um drama, de sabor clássico, de incesto entre irmãos. Um romance sobre o panorama português oitocentista, carregado de decadência, desistência e desilusão.
Em 1888, foi tomar conta do consulado de Paris, onde se dedica ao lançamento da Revista de Portugal (1889-1892), com a pretensão de que ela fosse «a consciência escrita de uma nação».
Depois de 24 números o projecto fracassa, porém teve grande êxito com A Correspondência de Fradique Mendes e a tradução das Minas de Salomão. No primeiro, que só foi publicado no ano da sua morte, em 1900, Eça exprime o dandismo de fim de século e a sua própria busca de absoluta beleza formal, numa introdução intitulada “Memórias e notas”, em que nos dá a biografia de Fradique, texto muito rico de reflexões e humor. Irá depois colaborar na Revista Moderna, publicada em Paris por um brasileiro, onde surgirão os contos “A perfeição”, “José Matias” e o “Suave Milagre”, várias crónicas, um artigo sobre Eduardo Prado e a 1ª edição, incompleta, de “A Ilustre Casa de Ramires” (1897).
A este período pertence o célebre artigo destinado ao In Memoriam de Antero (1894), mais tarde recolhido em Notas Contemporâneas. Este texto, para além da sua perfeição formal, pode considerar-se como a exaltação do sentimento de amizade e de gratidão para com um mentor intelectual.
A quinta que sua mulher recebe por herança, em 1892, de uma quinta em S.ta Cruz do Douro, irá dar origem ao conto “Civilização”, que, mais tarde, se amplifica e se transforma no romance “A Cidade e as Serras”. Aí faz uma caricatura dos exageros da civilização tecnológica pondo em confronto o viver artificial das cidades com a simplicidade da vida do campo.
Publicado no ano da morte do seu autor, “A Ilustre Casa de Ramires” faz o relato da vida de um aristocrata de linhagem anterior à nacionalidade, autor de uma novela histórica sobre antepassados seus do século XIII, que se insere na narrativa do romance. Personagem rico de contradições, leviandades, covardias, actos de bravura e de generosidade, a falta de dinheiro leva-o a ser deputado, depois de uma série de episódios que nos dão a imagem do Portugal político de então. Ainda insatisfeito, Gonçalo Mendes Ramires decide partir para África onde enriquece com empreendimentos agrícolas que não soube desenvolver no seu próprio país.
A circunstância de Eça não ter revisto os últimos capítulos desta obra tornam de certo modo aleatórias algumas conclusões que se têm tirado do seu desfecho
Um dos traços mais peculiares de Eça de Queirós, como romancista, é o modo como, frequentemente, se disfarça por detrás das suas personagens fazendo impiedosas caricaturas de si próprio. Poderá atribuir-se, por outro lado, uma função catártica à representação de personagens imensamente endinheiradas, tais como Teodoro, Carlos da Maia, Fradique e Jacinto, compensadoras das constantes atribulações com dívidas que o seu criador desde sempre viveu.
Da última fase de Eça de Queirós são ainda as Lendas de Santos, publicadas em 1912 com o título de Últimas Páginas e que incluem o conto S. Cristóvão, parábola socializante muito bela, com dois momentos de memorável recorte, a missa negra e a batalha dos Jacques.
Se pretendermos resumir, em poucas palavras, as qualidades predominantes da prosa deste escritor teremos que falar em originalidade de estilo e capacidade de gerar um enorme prazer de leitura. «Não me falta o processo: tenho-o superior a Balzac, Zola e tutti quanti», escreveu um dia, ele sempre tão crítico de si próprio. Confessou também que ao seu estilo faltava força, tendo, porém, «limpidez, fibra, transparência, precisão, claridade».
Já para o fim da vida, em 1894, numa carta célebre a Alberto de Oliveira, dizia ainda que a arte de escrever era, como a beleza, um «dom dos deuses», destacando que, «precisão, limpidez e ritmo são qualidades da Razão e das melhores». Esta identificação entre razão e estilo já a formulara n'Os Maias, pela voz de Carlos da Maia. Surge num diálogo com Afonso, seu avô, a propósito da preocupação formal dos peninsulares, que leva Carlos a interrogar, «se o estilo não é uma disciplina do pensamento»… A inteligência e lucidez crítica da prosa queirosiana parecem confirmá-lo. Há que juntar a essa lucidez um outro atributo essencial, a simplicidade que referiu num texto lapidar sobre a actriz Eleanora Duse: «Na arte, quando forte, fina e superior, a simplicidade resulta sempre de um violento esforço. Não se coordena com clara inteligência uma concepção, não se atinge uma expressão fácil, concisa e harmoniosa, sem longas e tumultuárias lutas em que arquejam juntos, espírito e vontade». Por outro lado, humor e ironia vão de par na sua arte. O humor é, muitas vezes, hilariante, a ironia quase sempre subtil.
Haverá ainda que referir, na caracterização da narrativa queirosiana, a magistral naturalidade dos seus diálogos, como elemento fulcral de verosimilhança e o talento com que utiliza inúmeros elementos que a enriquecem. Tecidos, perfumes, alimentos, plantas, mobiliário, designações reais da geografia urbana, como praças e arruamentos, tudo se relaciona com uma função específica: dar-nos o efeito do real.
Os sonhos das personagens, analisados já por psicanalistas e psiquiatras e classificados em variados tipos e categorias, surgem também, frequentemente, com acentuada função simbólica e até como elemento complementar na representação de comportamentos, nomeadamente sexuais, dado que uma forte componente erótica percorre grande parte da obra do autor d'Os Maias. Duas outras modalidades literárias exemplificam com nitidez as qualidades específicas do Eça prosador, a crónica jornalística e o conto. Ambas são por ele praticadas sem os constrangimentos de escola dos romances realistas.
Nos anos imediatos ao da sua morte, em 1900, publicaram-se nada menos do que nove títulos, nomeadamente, “A Ilustre Casa de Ramires”, “A Cidade e as Serras”, “Contos”, inúmeras crónicas jornalísticas e “Últimas Páginas”. Em 1925, recomeçaria a edição dos póstumos, agora a cargo de seu filho José Maria, com mais seis volumes de inéditos. Entre estes vemos um dos seus romances mais expressivos, “A Capital!”, que considerara «uma violenta condenação de toda a sociedade constitucional» e outras obras muito significativas como “O conde de Abranhos”, “Alves & C.ª” e “A Catástrofe”. Pode dizer-se que só em 1945, todavia, data da comemoração do centenário do seu nascimento, renasceria o interesse dos estudiosos pela sua obra. De então para cá, esse interesse não tem cessado de progredir. A comemoração, no Porto, do centenário de publicação d'Os Maias, em 1988, com um colóquio promovido pela respectiva Faculdade de Letras, suscitou o relançamento de novo surto de abordagens e estudos, agora de âmbito universitário. Não se afigura menos promissor o ano 2000, ano em que se evoca o centenário da sua morte.
Mais uma vez se confirma, assim, a perenidade e modernidade de um estilo inovador e a actualidade, tão vivaz, do seu humor e ironia.
Eça e o Brasil
Eça de Queirós nunca chegou a ir ao Brasil, mas, de uma ou outra forma, a sua vida sempre esteve ligada a este país. Desde a sua Ama nos primeiros anos da sua vida, até às suas colaborações com a Gazeta de Notícias e a Revista Moderna, passando pelos amigos brasileiros que encontrou em Londres e Paris, ou pelo impacto da sua obra no Brasil, tudo contribuiu para que, mesmo que não física, se criasse uma ligação entre Eça, a sua obra e o Brasil.
A sua primeira ligação com o Brasil foi efectivamente a sua Ama, Ana Joaquina Leal de Barros, de Pernambuco, Brasil. Mas na realidade, os laços com o Brasil já se podem encontrar antes do seu nascimento. Os seus bisavós aí encontraram refúgio na época das lutas liberais, tendo seu avô paterno, Dr. Joaquim José de Queiroz e Almeida, nascido no Rio de Janeiro. Ainda no Brasil nasce também, em 1820, dois anos antes da independência, seu pai. Quando de lá voltaram, com eles trouxeram um casal de criados negros, com os nomes de Rosa e Mateus. Foram estes que mais tarde acarinharam Eça, e de quem este ouviu cantigas de embalar, mas também histórias misteriosas do “Sertão”.
Quando começou a sua carreira consular, foi para o Brasil que inicialmente concorreu, mostrando, já aqui, a sua afinidade com este país. O destino assim não o quis e o consulado em que foi colocado acabaria por ser Havana.
A sua morte foi extensamente falada e chorada no Brasil, tendo mesmo tido a honra de um monumento na cidade do Rio de Janeiro.
Eça e o Oriente
A ligação de Eça de Queiroz ao Oriente deu-se quando este tinha 23 anos. Acompanhando o seu amigo e futuro cunhado, o conde de Resende, Eça partiu, em 23 de Outubro de 1869, para o Egipto, para assistir à inauguração do Canal de Suez. A duração desta sua viagem não foi muito longa mas, as memórias, essas deixaram marcas perenes.
A viagem começou a 23 de Outubro de 1869 e terminou a 3 de Janeiro de 1870. Do total de setenta e dois dias, treze foram despendidos na viagem de ida e outros dezasseis na viagem de regresso, o que deu aos viajantes quarenta e três dias para conhecerem o Egipto, a Palestina e a Alta Síria.
O Canal de Suez na altura da sua inauguração.
A Geração de 70 e a Questão Coimbrã
A Geração de 70 é, de forma básica, um grupo de jovens intelectuais a estudar na Universidade de Coimbra, do qual fazem parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, e ainda outros, que surge a certa altura para contestar os excessos do Ultra-romantismo, representados por um conjunto de escritores representados por António Feliciano de Castilho.
Este grupo, primeiro em Coimbra e depois em Lisboa, manifestou um descontentamento com o estado da cultura e das instituições nacionais. Juntos ou, como sucedeu mais tarde, trilhando caminhos de certa forma divergentes, estes homens marcaram a cultura portuguesa até ao virar do século (se não mesmo até à República), na literatura e na crítica literária, na historiografia, no ensaísmo e na política.
Esta geração já desde 1865 vinha a dar provas da sua inclinação para a rebeldia à disciplina universitária com ruidosos tumultos, irreverências e revoltas. A chamada “Questão de Coimbra” ou do “Bom Senso e Bom Gosto” foi a primeira manifestação importante dessa mocidade, que mais tarde havia de realizar novas demonstrações dos seus intuitos reformistas na vida pública nacional.
Este grupo teve o privilégio do contacto com o estrangeiro e com a cultura mais avançada da Europa. Puderam pois, por analogia, aperceber-se da diferença que havia entre o estado das ciências, das artes, da filosofia e das próprias formas de organização social no país e em nações como a Inglaterra, a França ou a Alemanha. Em consequência, esta juventude cosmopolita nas leituras, liberal e progressista não se revia nos formalismos estéticos que reinavam nem naquilo que consideravam ser a estagnação social, institucional, económica e cultural a que assistiam.
A chamada Questão Coimbrã, opõe o grupo, a pretexto de uma obra literária de mérito discutível, ao ultra-romantismo instalado que António Feliciano de Castilho personificava. O grupo reunir-se-ia depois na capital, formando o Cenáculo, e em 1871 organizou as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, com as quais chamou definitivamente a atenção da sociedade.
Nos anos seguintes, embora a atitude de crítica e de intervenção cultural e política se mantivesse, os membros do grupo foram definindo caminhos pessoais independentes, ora dedicando-se mais a umas actividades, ora a outras. Antero suicidou se em 1891, e dir-se-ia que esse gesto simboliza o destino destes homens a caminho do final do século, em desilusão progressiva com o país e o sentido das suas próprias vidas.
Em 1865, Pinheiro Chagas publica o Poema da Mocidade, em cujo posfácio o velho poeta António Feliciano de Castilho lhe fez elogios rasgados, chegando ao ponto de propor o jovem poeta para reger a cadeira de Literatura no Curso Superior de Letras. Foi o suficiente para de imediato Antero de Quental lançar um violento ataque num opúsculo intitulado Bom Senso e Bom Gosto. Os sectários de Castilho por um lado, e outros jovens por outro, vieram a terreiro lançar dezenas de opúsculos de cariz fortemente polémico e onde por vezes não faltava o sarcasmo mordaz e o ataque pessoal. Embora de origem literária, a questão alargou-se a outras áreas como a cultura, a política e a filosofia. Esta refrega durou mais de um ano e envolveu nomes que já eram ilustres.
Bom Senso e Bom Gosto - Carta ao Ex.mo Sr António Feliciano de Castilho
Acabo de ler um escrito de V. Ex. a, onde a propósito de faltas de bom senso e de bom gosto, se fala com áspera censura da chamada escola literária de Coimbra, e entre dois nomes ilustres se cita o meu, quase desconhecido e sobretudo desambicioso. (...)
O que se ataca na escola de Coimbra (talvez mesmo V. Ex.a o ignore, porque há malévolos inocentes e inconscientes), o que se ataca não é uma opinião literária menos provada, uma concepção poética mais atrevida, um estilo ou uma ideia. Isso é o pretexto, apenas. Mas a guerra faz-se à independência irreverente de escritores, que entendem fazer por si o seu caminho, sem pedirem licença aos mestres, nas consultando só o seu trabalho e a sua consciência. A guerra faz-se ao escândalo inaudito duma literatura desaforada, que cuidou poder correr mundo sen o selo e o visto da chancelaria dos grão-mestres oficiais. (...)
Mas é que a escola de Coimbra cometeu efectivamente alguma coisa pior de que um crime cometeu uma grande falta: quis inovar.
Ora, para as literaturas oficiais, para as reputações estabelecidas, mais criminoso do que manchar a verdade com a baba dos sofismas (...) é essa falta de querer caminhar por si, de dizer e não repetir, de inventar e não de copiar. Porquê? Porque todos os outros crimes eram contra as ideias: haveria sempre um perdão para eles. Mas esta falta era contra as pessoas: e essas tais são imperdoáveis. (...)
Nesta escola do trabalho, da dignidade, das altas convicções, se formam os homens em cujos peitos a humanidade encontra sempre um vasto lago onde farte a sede de verdade, de consolações, de ensinos para a inteligência e confortos para o coração. (...)
Os outros adoram a palavra, que ilude o vulgo, e desprezam a ideia, que custa muito e nada luz. São apóstolos do dicionário, e têm por evangelho um tratado de metrificação. Fazem da poesia o instrumento de suas vaidades.
Pregam o bem por uso e convenção literária, porque se presta à declamação poética, mas praticam o egoísmo por índole e por vontade.
Estes tais escusam da nobreza e da dignidade: têm a habilidade e a finura. Para a obra que fazem, isso lhes basta. Mas a obra, Ex.mo. Sr., é que é uma obra vulgar: bem feita para agradar ao ouvido, mas estéril para o espírito. Soa bem, mas não ensina nem eleva. Ora a humanidade precisa que a levantem e que a doutrinem. São, pois, necessárias outras e melhores obras. (...) O grande espírito filosófico do nosso tempo, a grande criação original, imensa da nossa idade, não passa de confusão e imbróglio desprezível para o professor de ninharias, que cuida que se fustiga Hegel, Stuart Mill, Augusto Compte, Herder, Wolff, Vico, Michelet, Proudhon, Litré, Feuerbach, Creuzaer, Strauss, Taine, Renan, Buchner, Quinet, a filosofia alemã, a crítica francesa, o positivismo, o naturalismo, a história, a metafísica, as imensas criações da alma moderna, o espírito mesmo da nossa civilização... que se fustiga tudo isto e se ridiculariza e se derriba com a mesma sem-cerimónia com que ele dá palmatoadas nos seus meninos de 30, 40 e 50 anos, de Lisboa, do Grémio, da Revista Contemporânea! (...)
Há uma coisa que o Sr. Castilho tomou à sua conta, que não deixa em paz, que nos prometeu destruir... é a metafísica é o ideal...
O ideal quer dizer isto: desprezo das vaidades; amor desinteressado da verdade; preocupação exclusiva do grande e do bom; desdém do fútil, do convencional; boa- fé; desinteresse; grandeza de alma; simplicidade; nobreza; soberano bom gosto e soberaníssimo bom senso... tudo isto quer dizer esta palavra de cinco letras ideal. (...)
Paro aqui, Ex.mo Sr. Muito tinha eu ainda que dizer: mas temo no ardor do discurso, faltar ao respeito a V. Ex. a, aos seus cabelos brancos. (...)
V. Ex.a aturou-me em tempo no seu colégio do Pórtico tinha eu ainda dez anos e confesso que devo à sua muita paciência o pouco francês que ainda hoje sei. (...)
Vejo, porém, com desgosto que temos muitas vezes de renegar aos vinte e cinco anos do culto das autoridades dos dez. (...)
Levanto-me quando os cabelos brancos de V. Ex.a passam diante de mim. Mas o travesso cérebro que está debaixo e as garridas e pequeninas coisas que saem
dele, confesso, não me merecem nem admiração nem respeito, nem ainda estima. A futilidade num velho desgosta-me tanto como a gravidade numa criança.
V. Ex.a precisa menos cinquenta anos de idade, ou então mais cinquenta de reflexão. É por estes motivos todos que lamento do fundo de alma não me poder confessar, como desejava, de V. Ex.a
Nem admirador nem respeitador Antero de Quental,
Coimbra, 2 de Novembro de 1865
Conseguimos, através da leitura desta carta, observar quão polémica foi esta altura da sociedade. Embora aparentemente literária, esta “Questão” atingia e denunciava aspectos muito mais profundos da sociedade.
Bibliografia:
-
MATOS,A.C. (1988) Dicionário de Eça de Queiroz, Ed. Caminho, Lisboa
-
Guerra, J. A. F., Vieira, J. A. S., Aula Viva – Português B – 11.º ano, Porto Editora, Porto, 2000
-
Braga, Z. C. M., Abordagens – Sugestões para Preparação de Aulas – Português B – 11.º ano, Porto Editora, Porto, 1998
-
CD-ROM Diciopédia 99, Porto Editora, Porto, 1998
- Internet:
- www.instituto-camoes.pt
- www.feq.pt
- bnd.bn.pt
- www.geocities.com/eca_queiros
- www.literatura.pro.br